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ID
2053966
Banca
FUNCAB
Órgão
EMSERH
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                 O embondeiro que sonhava pássaros


  Esse homem sempre vai ficar de sombra: nenhuma memória será bastante para lhe salvar do escuro. Em verdade, seu astro não era o Sol. Nem seu país não era a vida. Talvez, por razão disso, ele habitasse com cautela de um estranho. O vendedor de pássaros não tinha sequer o abrigo de um nome. Chamavam-lhe o passarinheiro.

 Todas manhãs ele passava nos bairros dos brancos carregando suas enormes gaiolas. Ele mesmo fabricava aquelas jaulas, de tão leve material que nem pareciam servir de prisão. Parecia eram gaiolas aladas, voláteis. Dentro delas, os pássaros esvoavam suas cores repentinas. À volta do vendedeiro, era uma nuvem de pios, tantos que faziam mexer as janelas:

  - Mãe, olha o homem dos passarinheiros!

 E os meninos inundavam as ruas. As alegrias se intercambiavam: a gritaria das aves e o chilreio das crianças. O homem puxava de uma muska e harmonicava sonâmbulas melodias. O mundo inteiro se fabulava.

  Por trás das cortinas, os colonos reprovavam aqueles abusos. Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos - aquele preto quem era? Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar. Contudo, os pássaros tão encantantes que são - insistiam os meninos. Os pais se agravavam: estava dito.

  Mas aquela ordem pouco seria desempenhada.

  [...]

  O homem então se decidia a sair, juntar as suas raivas com os demais colonos. No clube, eles todos se aclamavam: era preciso acabar com as visitas do passarinheiro. Que a medida não podia ser de morte matada, nem coisa que ofendesse a vista das senhoras e seus filhos. O remédio, enfim, se haveria de pensar.

  No dia seguinte, o vendedor repetiu a sua alegre invasão. Afinal, os colonos ainda que hesitaram: aquele negro trazia aves de belezas jamais vistas. Ninguém podia resistir às suas cores, seus chilreios. Nem aquilo parecia coisa deste verídico mundo. O vendedor se anonimava, em humilde desaparecimento de si:

  - Esses são pássaros muito excelentes, desses com as asas todas de fora.

 Os portugueses se interrogavam: onde desencantava ele tão maravilhosas criaturas? onde, se eles tinham já desbravado os mais extensos matos?

 O vendedor se segredava, respondendo um riso. Os senhores receavam as suas próprias suspeições - teria aquele negro direito a ingressar num mundo onde eles careciam de acesso? Mas logo se aprontavam a diminuir-lhe os méritos: o tipo dormia nas árvores, em plena passarada. Eles se igualam aos bichos silvestres, concluíam.

  Fosse por desdenho dos grandes ou por glória dos pequenos, a verdade é que, aos pouco-poucos, o passarinheiro foi virando assunto no bairro do cimento. Sua presença foi enchendo durações, insuspeitos vazios. Conforme dele se comprava, as casas mais se repletavam de doces cantos. Aquela música se estranhava nos moradores, mostrando que aquele bairro não pertencia àquela terra. Afinal, os pássaros desautenticavam os residentes, estrangeirando-lhes? [...] O comerciante devia saber que seus passos descalços não cabiam naquelas ruas. Os brancos se inquietavam com aquela desobediência, acusando o tempo. [...]

 As crianças emigravam de sua condição, desdobrando-se em outras felizes existências. E todos se familiavam, parentes aparentes. [...]

 Os pais lhes queriam fechar o sonho, sua pequena e infinita alma. Surgiu o mando: a rua vos está proibida, vocês não saem mais. Correram-se as cortinas, as casas fecharam suas pálpebras.


COUTO, Mia. Cada homem é uma raça: contosl Mia Couto - 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.63 - 71. (Fragmento).

De acordo com os estudos de regência verbal e com o padrão culto da língua, leia as afirmações sobre os verbos destacados em “Os senhores RECEAVAM as suas próprias suspeições - TERIA aquele negro direito a ingressar num mundo onde eles CARECIAM de acesso?”

I. Como o verbo é transitivo indireto, é obrigatório o uso do acento indicativo da crase em AS, que compõe o complemento da primeira oração.

II. Na segunda oração, o verbo TERIA constitui por si só o predicado de uma oração.

III. O verbo CARECIAM, como é transitivo indireto, está ligado a seu complemento por meio de uma preposição.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s):

Alternativas
Comentários
  • FUNCAB considerou correa a letra C. Achei contestável. Alguém explica a primeira assertiva? 

  • Vanessa, o verbo recear é pronominal, direto e indireto. No caso da questão, está apresentando significado de suspeita, dúvida. Outra obrigatoriedade da vírgula acontece devido o artigo estar no plural antes no pronome possessivo feminino sua.

    Espero ter ajudado. 

  • Vamos indicar para os comentários, acredito que o verbo Recear está no sentido de temer e é Transitivo direto.

  • Letra a)

    Antes de pronome adjetivos possessivo a crase é facultativa, mas se o pronome possessivo estiver no plural a crase será obrigatória

    Ex: Explicarei isso à sua irmã ou Explicarei isso a sua irmã. (crase facultativa)

    Ex: Explicarei isso às suas irmãs. (crase obrigatória)

    Gramática Renato Aquino.

  • verbo transitivo direto, transitivo indireto e pronominal

    Demonstrar muito medo em relação a; estar preocupado com; temer ou se assustar: receava os problemas do novo trabalho; receava pela saúde do pai; ele se receia da falta de dinheiro.

    verbo transitivo direto

    Acreditar em (algo repulsivo ou aborrecedor); achar: a mãe receia que o filho esteja envolvido com péssimas companhias