TEXTO I
Numa sociedade fortemente hierarquizada, em que as
pessoas se ligam entre si e essas ligações são
consideradas como fundamentais (valendo mais, na
verdade, do que as leis universalizantes que governam
as instituições e as coisas), as relações entre senhores
e escravos podiam se realizar com muito mais “intimidade,
confiança e consideração”. Aqui, o senhor não se
sente ameaçado ou culpado por estar submetendo um
outro homem ao trabalho escravo, mas, muito pelo
contrário, ele vê o negro como seu “complemento
natural”, como um “outro” que se dedica ao trabalho
duro, mas complementar às suas próprias atividades
que são as do espírito. Assim a lógica do sistema de
relações sociais no Brasil é a de que pode haver
intimidade entre senhores e escravos, superiores e
inferiores, porque o mundo está realmente
hierarquizado, tal qual o céu da Igreja Católica, também
repartido e totalizado em esferas, círculos, planos,
todos povoados por anjos, arcanjos, querubins, santos
de vários méritos etc., sendo tudo consolidado na
Santíssima Trindade, todo e parte ao mesmo tempo;
igualdade e hierarquia dados simultaneamente. O ponto
crítico de todo nosso sistema é a sua profunda
desigualdade. (...) Neste sistema, não há
necessidade de segregar o mestiço, o mulato, o índio e
o negro, porque as hierarquias asseguram a superioridade
do branco como grupo dominante.
(Roberto da Matta, Relativizando - Uma Introdução à
Antropologia Social)
O vocábulo “Aqui”, no segundo período, é considerado
um organizador textual e faz uma referência a