SóProvas


ID
2179618
Banca
FUMARC
Órgão
CEMIG-TELECOM
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Variabilidade na invariabilidade

    Uma pergunta que se poderia fazer é a seguinte: se discursos de natureza muito diferente utilizam-se dos mesmos elementos semânticos, como, por exemplo, liberdade, felicidade, justiça, de que maneira se pode distingui-los?
    É preciso estabelecer uma diferença entre um nível profundo e um nível de superfície. Por exemplo, numa história de fadas, o príncipe necessita sempre de um objeto mágico para vencer seu oponente e ficar com a princesa. Numa história, é um anel mágico; noutra, é uma espada mágica e assim por diante. Os elementos semânticos que aparecem na superfície (um objeto mágico determinado) são variações que concretizam um elemento semântico invariante, mais abstrato e mais profundo, o poder-vencer.
    A liberdade pode ser concretizada, por exemplo, como "evasão espacial" (ida para uma ilha no Pacífico Sul, ida para um lugar perdido na floresta amazônica) ou como ''evasão temporal" (volta à infância). O discurso de muitos poetas românticos concretiza assim a liberdade. No entanto, a liberdade poderia ainda aparecer na superfície como “direito à diferença, à singularidade" (observe-se o discurso de certas minorias) ou como "não-exploração", que poderia ser a forma de um partido operário entender a liberdade
    Analisando, cuidadosamente, a maneira como um elemento semântico da estrutura profunda se concretiza, não vamos confundir dois ou três discursos distintos só porque todos eles falam em liberdade. É importante verificar em cada um deles o que é que "liberdade" significa, isto é, como é que ela é concretizada.
    Cada um dos níveis não tem apenas uma semântica, tem também uma sintaxe própria. Não interessa, porém, neste trabalho, expor todos os elementos da sintaxe do nível profundo e do nível superficial, pois estamos fazendo todas essas distinções com a finalidade de precisar o nível em que a linguagem sofre determinações sociais.
    Podemos agora determinar com maior precisão o componente da linguagem em que percebemos com toda a nitidez a determinação ideológica. Dissemos anteriormente que era a semântica discursiva que mostrava, com clareza, uma maneira de ver o mundo de uma dada sociedade numa determinada época. Isso, a nosso ver, está correto, pois não é indistinto falar da "liberdade" ou da "ordem", da "riqueza" ou do "amor ao próximo". No entanto, estudar as coerções ideológicas só com os elementos da estrutura profunda pode, como já mostramos, falsear a análise. É no nível superficial, isto é, na concretização dos elementos semânticos da estrutura profunda, que se revelam, com plenitude, as determinações ideológicas. Os discursos que consideram a liberdade como "direito à diferença" ou como "não-exploração da força de trabalho'' pertencem a universos ideológicos distintos .
    Além disso, dois discursos podem trabalhar com os mesmos elementos semânticos e revelar duas visões de mundo completamente diferentes, porque o falante pode dar valores distintos aos elementos semânticos que utiliza. Alguns são considerados eufóricos, isto é, são valorizados positivamente; outros, disfóricos, ou seja, são valorizados negativamente. O conto A gata borralheira e o romance Justine, do Marquês de Sade, colocam em jogo praticamente as mesmas oposições semânticas: submissão, humildade, amor ao próximo, bondade vs. prepotência, orgulho, maldade, cinismo. No primeiro dos textos, são eufóricas as virtudes da submissão e da humildade, que são recompensadas, e disfóricos o orgulho e a prepotência, que são castigados. No segundo texto, eufóricos são os elementos valorizados negativamente no primeiro texto e disfóricos, os valorizados positivamente.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, 2007.

Considere as asserções a seguir sobre o texto anterior.

I. Os sentidos das palavras são construídos nos contextos de uso.
II. A variabilidade semântica ocorre porque a linguagem sofre determinações sociais.
III. Os contextos de uso da língua comandam a sintaxe.
IV. Conforme a perspectiva ideológica que se adote, o mesmo objeto pode ser concebido de maneiras diversas.

Estão CORRETAS as asserções:

Alternativas
Comentários
  • GAB. LETRA d

    I-CORRETO

    Campo semântico: diz respeito ao sentido das palavras em determinado contexto.

    Ex.: "A porta está aberta." Essa frase pode ter vários sentidos dependendo do contexto em que for dita, observe:

    1. -Está muito frio aqui.

        -Claro, a porta está aberta.

    2. -Vou embora dessa casa, ninguém me ama.

        -A porta está aberta.

    II-CORRETO

    um dos exemplos dado no texto está no 3º parágrafo quando o autor afirma que liberdade pode ser um direito à diferença, à singularidade ou até mesmo a evasão à infância para os romanticos.

    III-CORRETO

    Mesma justificativa da assertiva I

    IV-CORRETO

    O que corrobora essa assertiva é a argumentação do autor no início do último parágrafo, ao afirmar que dois discursos podem trabalhar com os mesmos elementos semânticos e revelar visões de mundo completamente diferente.

     

    *Uma boa dica para interpretação é colocar a frase em sua ordem direta. Uma das frases do primeiro parágrafo ficaria da seguinte forma:

    "De que maneira se pode distinguir discursos de natureza diferentes se eles utilizam dos mesmos elementos semânticos, como é o caso da liberdade, felicidade e justiça?"