SóProvas


ID
2191321
Banca
CONSULPLAN
Órgão
CBTU
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto

                                 1º/4/1964 – Cena de rua

      Minha filha chega da escola dizendo que há revolução na rua. Em companhia de Carlos Drummond de Andrade, meu vizinho no Posto 6, fui ver o que estava se passando.

      Vejo um general comandar alguns rapazes naquilo que mais tarde um repórter chamou de “gloriosa barricada”. Os rapazes arrancam bancos e árvores impedem o cruzamento da av. Atlântica com a rua Joaquim Nabuco. O general destina-se a missão mais importante: apanha dois paralelepípedos e concentra-se na façanha de colocar um em cima do outro. Vendo-o em tarefa tão insignificante, pergunto-lhe para que aqueles paralelepípedos tão sabiamente colocados um sobre o outro. “Isso é para impedir os tanques do 1º Exército!”

      Acreditava, até então, que dificilmente se deteria um exército com dois paralelepípedos ali na esquina da rua onde moro. Ouço no rádio que a medida do general foi eficaz: o 1º Exército, em sabendo que havia tão sólida resistência, desistiu do vexame: aderiu aos que se chamavam de rebeldes.

      Nessa altura, há confusão na av. N. S. de Copacabana, pois ninguém sabe o que significa “aderir aos rebeldes”. A confusão é rápida. Não há rebeldes e todos, rebeldes ou não, aderem, que a natural tendência da humana espécie é aderir. Erguem o general em triunfo. Vejo o bravo general passar em glória sobre minha cabeça.

      Olho o chão, os dois paralelepípedos lá estão, intactos, invencidos, um em cima do outro. Vou lá, com a ponta do sapato tento derrubá-los. É coisa fácil. Das janelas, cai papel picado. Senhoras pias exibem seus pios lençóis e surge uma bandeira nacional. Cantam o hino e declaram todos que a pátria está salva.

      Minha filha, ao meu lado, pede uma explicação para aquilo tudo. “É carnaval, papai?” “Não.” “É Copa do Mundo?” “Também não.”

      Ela fica sem saber o que é. Eu também. Recolho-me ao sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia.

(Carlos Heitor Cony. Cena de rua. Folha de São Paulo. 01/04/2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/carlosheitorcony/2014/04/1433846-141964---cena-de-rua.shtml.)  

A linguagem verbal pode ser utilizada com finalidades bem diferentes. As ações de narrar e relatar, por exemplo, diferenciam-se porque, numa narração, busca-se recriar, fantasiar fatos que aconteceram, ou poderiam acontecer, ou não aconteceram, ou não poderiam acontecer na realidade, isto é, no mundo conhecido. Por outro lado, relatar é representar experiências vividas. Então, de acordo com essa distinção entre narração e relato, é correto afirmar que o fato mencionado por Carlos Heitor Cony é um exemplo da linguagem verbal sendo utilizada para

Alternativas
Comentários
  • Primeiro: estamos diante de um relato, corroborado pelo uso da primeira pessoa. O autor está contando algo que aconteceu com ele e sua filha. 

    Segundo: das opções da questão, eliminam-se as letras A e B (que falam "narrar"). A letra C está errada por afirmar que "acontecimento que poderia vir a acontecer". De acordo com o autor, isso aconteceu.

    Desse modo, a certa é letra D, pois relata uma situação que pode ser reconhecida como verdadeira.

  • O relato é uma exposição objetiva que tem o intuito de registrar acontecimentos ou fatos reais. É próprio da linguagem jornalística, de depoimentos pessoais, etc. Veja um exemplo retirado do jornal Diarioweb:

     

    “O homem encapuzado a que o menino se refere o tempo todo, atirava, na verdade, em direção ao segurança e PM reformado, que foi alvejado no abdômen e permanece internado na UTI Hospital de Base, respirando com ajuda de aparelhos. A filha do policial militar aposentado, que trabalhava como segurança há oito anos, conta que a família inteira está em choque”.

     

    Relatar implica que o acontecido seja trazido outra vez, isto é, re (outra vez) mais latum (trazido). Por vezes, é trazido outra vez por alguém que ou foi testemunha ou teve notícia do acontecido.


    A narração, no entanto, não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real. Nela, realidade e ficção não têm limites precisos. Um relato, copia-se; uma narração (conto, por exemplo) inventa-se, afirma Raúl Castagnino.

     

    A narrativa é uma exposição mais elaborada em que personagens, ação e espaço sejam um todo que vai ser construído de forma fictícia. Veja um trecho do conto Verde lagarto amarelo, de Lygia Fagundes Telles.

     

    “Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto".

     

    O relato nos informa, mas a narrativa nos transforma! E esse poder da narrativa está nas palavras, na LITERARIEDADE, ou seja, naquele conjunto de características específicas (linguísticas, semióticas, sociológicas) que permitem considerar um texto como literário. E se a narração é arte e tem finalidade em si mesmo, ela não pode ser algo utilitário, que é o caso do relato.

     

    http://imaginariodeprofessora.blogspot.com.br/2011/04/relatar-e-narrar-tem-diferenca.html

  • As ações de narrar e relatar, por exemplo, diferenciam-se porque, numa narração, busca-se recriar, fantasiar fatos que aconteceram, ou poderiam acontecer, ou não aconteceram, ou não poderiam acontecer na realidade, isto é, no mundo conhecido. Por outro lado, relatar é representar experiências vividas.

    "Vejo um general comandar alguns rapazes naquilo que mais tarde um repórter chamou de “gloriosa barricada”."

    "Ouço no rádio que a medida do general foi eficaz: o 1º Exército, em sabendo que havia tão sólida resistência, desistiu do vexame: aderiu aos que se chamavam de rebeldes."

     

    RESPOSTA D

  • Recolho-me ao sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia.  vindo da folha de são paulo só poderia ser essa visão mesmo da ditadura! esquerdistas! seus dias estão contados! BOLSONARO 2018!

  • A chave da questão está em perceber que, em dito relato, o autor usa de muitas metáforas para falar do regime militar de 64 de forma mais indireta, sem expor sua opinião. Perceba que as metáforas usadas fazem o texto parecer fantasioso, como algo que não aconteceu de verdade. Aí fica a pegadinha, a banca explorou isso quando disse no enunciado que relatos são representações de experiencias vividas, ou seja, que realmente aconteceram. O texto e a alternativa correta dão impressão de serem opostos quando na verdade não são.

     

    Gab D

  • Pesquise as características do autor e de suas obras, se o texto apresentado não é uma crônica do tipo textual "narrativa" a Acadêmia Brasileira de Letras precisa rever seu conceitos, com o apoio deste examinador.