SóProvas


ID
2191594
Banca
RHS Consult
Órgão
Prefeitura de Porto Feliz - SP
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia a crônica a seguir para responder a questão.


    Certas palavras têm significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra. 

    Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.

 - Os hermeneutas estão chegando! 

    - Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada...

    Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter sentido oculto. 

    - Alô...

    - O que é que você quer dizer com isso?

    Traquinagem devia ser uma peça mecânica.

    - Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.

    Plúmbeo devia ser o barulho que um corpo faz ao cair na água.

    Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração.

    A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:

    - Defenestras?

    A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas... Ah, algumas defenestravam.

    Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais.

    Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais?

    “Nestes termos, pede defenestração...”. Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-lo usado uma ou outra vez, como em:

    - Aquele é um defenestrado.

    Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada, era a palavra exata.

    Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. “Defenestração” vem do francês “defenestration”. Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.

    Ato de atirar alguém ou algo pela janela!

    Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?

    [...]

    - Com prédios de três, quatro andares, ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: “Interdit de defenestrer”. Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.

    Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.

    - É esta estranha vontade de atirar alguém ou algo pela janela, doutor...

    - Hmm. O impulsus defenestrex de que nos fala Freud. Algo a ver com a mãe. Nada com o que se preocupar – diz o analista, afastando-se da janela.

    Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.

    [...]

    Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre gemidos, ele aponta para cima e balbucia:

    - Fui defenestrado...

    Alguém comenta:

    - Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela!

    Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassá-lo e defenestrar esta crônica. Se ela sair é porque resisti.


VERÍSSIMO, Luís Fernando. Para gostar de ler – v.14. 3 Ed. São Paulo: Ática, 1995, p.82

Considerando a norma-padrão da língua portuguesa, assinale a alternativa correta quanto à regência verbal.

Alternativas
Comentários
  • Os ingênuos não duvidam de nada.

     

    Todos os presentes aderiram a proposta de trabalho.

     

    Ele ainda não conseguiu aspirar o pó dos livros.

     

    O cliente chamou o garçom em voz alta. (correta)

     

    Eu prefiro teatro a cinema. 

  • a) Os ingênuos não duvidam para [de] nada.

    b) Todos os presentes aderiram com [à] proposta de trabalho.

    c) Ele ainda não conseguiu aspirar ao [o] pó dos livros.

    d) O cliente chamou o garçom em voz alta.

    e) Eu prefiro mais teatro do que [a] cinema.

  • Galera, não adianta, vocês precisam gravar o verbo ''aspirar' pois cai demasiadamente nas provas. Rendem-se. rs

     

    ASPIRAR (CHEIRAR) VTD  - NÃO EXIGE A PREPOSIÇÃO

     

    ASPIRAR (AMBIÇÃO, DESEJAR) VTI - EXIGE A PREPOSIÇAO

     

    Sobre a letra C  ''Ele ainda não conseguiu aspirar ao pó dos livros''.  Aquele ''a'' é um exemplo de preposição, por isso está errado.

     

  • GABARITO D

     

     

    a) Os ingênuos não duvidam para nada. ERRADO - Os ingênuos não duvidam DE nada. Quem duvida, DUVIDA DE ALGUMA COISA (de nada). VTI

     

     b) Todos os presentes aderiram com a proposta de trabalho. ERRADO - Todos os presentes aderiram a proposta de trabalho. Quem adere, ADERE ALGUMA COISA (a proposta de trabalho).  VTD

     

     c) Ele ainda não conseguiu aspirar ao pó dos livros. ERRADO - Verbo aspirar no sentido de limpar, absorver, cheirar não tem preposição. Ele ainda não conseguiu ASPIRAR O pó dos livros. Quem aspira, ASPIRA ALGUMA COISA (o pó dos livros) . VTD

     

     d) O cliente chamou o garçom em voz alta. CORRETO - Quem chama, CHAMA ALGUÉM (o garçom). VTD

     

     e) Eu prefiro mais teatro do que cinema. ERRADO - Quem prefere, PREFERE ALGUMA COISA A OUTRA. Eu prefiro teatro A cinema.