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ID
2243488
Banca
FCC
Órgão
SEDU-ES
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Medo da eternidade

    Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. 
    Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas. 
    Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: 
    − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira. 
    − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa. 
    − Não acaba nunca, e pronto. 
    Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 
    Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca. 
    − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. 
    − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. 
    Perder a eternidade? Nunca. 
    O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola. 
    − Acabou-se o docinho. E agora? 
    − Agora mastigue para sempre. 
    Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito. 
    Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. 
    Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. 
    − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! 
    − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá. 
    Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso. Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

Um dos elementos mais importantes na organização do texto de Clarice Lispector é o advérbio de tempo, como o que se encontra grifado em:

I. Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. (1º parágrafo)
II. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. (7º parágrafo)
III. – E agora que é que eu faço? – perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. (9º parágrafo)
IV. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. (16º parágrafo)

Atende ao enunciado APENAS o que consta de

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: D

     

    I - Jamais: Advérbio de Tempo

     

    II - Eis: Denotativa de Designação

     

    III - Agora: Advérbio de Tempo

     

    IV - Sem: Preposição

  • I – CERTA – De fato! O advérbio “Jamais”, além do sentido de negação, dá a entender um sentido de tempo, significando “Nunca”, “Em momento algum”.

    II – ERRADA – A forma “eis” indica não a ideia de tempo, mas de apresentação, designação. No caso, não temos um advérbio propriamente, pois não há modificação de verbo, adjetivo ou advérbio. Trata-se de uma palavra denotativa.

    III – CERTA – De fato! O advérbio “agora”, no contexto, faz menção à ideia de tempo presente. Pode-se substituí-lo por “Neste momento”.

    IV – ERRADA – Não se trata de um advérbio, e sim de uma preposição, indicando ausência, exclusão.

    Resposta: D

  • José Maria | Direção Concursos

    06/11/2019 às 19:25

    I – CERTA – De fato! O advérbio “Jamais”, além do sentido de negação, dá a entender um sentido de tempo, significando “Nunca”, “Em momento algum”.

    II – ERRADA – A forma “eis” indica não a ideia de tempo, mas de apresentação, designação. No caso, não temos um advérbio propriamente, pois não há modificação de verbo, adjetivo ou advérbio. Trata-se de uma palavra denotativa.

    III – CERTA – De fato! O advérbio “agora”, no contexto, faz menção à ideia de tempo presente. Pode-se substituí-lo por “Neste momento”.

    IV – ERRADA – Não se trata de um advérbio, e sim de uma preposição, indicando ausência, exclusão.

    Resposta: D