Corajosos tecladores
Recebi um torpedo: “Posso te ligar?”
É curioso como, pouco a pouco, vai se tomando invasivo
simplesmente telefonar para alguém. As mensagens de texto
entraram com tal força em nossas vidas, pessoas lidas em letras,
ícones e interjeições, que surpreender uma pessoa num “alô” é
quase ter a chance de vê-la nua.
Rapidamente nos adaptamos ao confortável esconderijo
da palavra escrita e fomos mudando nossos hábitos de convívio numa velocidade assustadora. Dia após dia, nossos dedos
ganham destreza e coragem nos teclados enquanto nossa língua
gagueja preguiçosa num simples telefonema para a peixaria.
“Manda um e-mail” - grita o peixeiro. E nós mandamos
a lista, abandonando para sempre a possibilidade de ganhar de
brinde a receita de moqueca da mãe dele.
Mas a preguiça verbal não para por ai. “Não reclamei na
hora, mas vou mandar um e-mail.” Quem de nós ainda não ouviu
frases assim?
O conforto de nossas deliciosas trincheiras digitais inaugurou
uma nova categoria: os corajosos tecladores. Falam de
preservação da privacidade, citam até a gentileza, cercam-se de
boas intenções para esconder o maior aliado do boom* da comunicação
virtual: a covardia. Trata-se de pessoas sem coragem de
se pronunciar diretamente, mas que no conforto da internet não
hesitam em expor e ofender o outro.
(Denise Fraga. Folha de S.Paulo, http: goo.gL 1L5DuR. 27.10.2013. Adaptado)
*boom: crescimento muito rápido, expansão súbita
Uma ideia condizente com o que se afirma no texto é: