- ID
- 2327125
- Banca
- IBGP
- Órgão
- CISSUL - MG
- Ano
- 2017
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
A questão diz respeito ao conteúdo do TEXTO 1. Leia-o atentamente ante de respondê-la.
TEXTO I
Nossos dias melhores nunca virão?
Ando em crise, mas não é muito grave: ando em crise com o tempo. Que estranho “presente” é este
que vivemos hoje, correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse ficado mais rápido do que a vida (da
maneira que seria se o tempo...).
As utopias liberais do século 20 diziam que teríamos mais ócio, mais paz com a tecnologia. Acontece
que a tecnologia não está aí para distribuir sossego, mas para incrementar competição e produtividade, não
só das empresas, mas a produtividade dos humanos. Tudo sugere velocidade, urgência, nossa vida está
sempre aquém de alguma tarefa. A tecnologia nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas, fábricas vivas,
chips, pílulas para tudo. Temos de funcionar, não de viver. Por que tudo tão rápido? Para chegar aonde?
Antes, tínhamos passado e futuro; agora, tudo é um “enorme presente”. E este “enorme presente” é
reproduzido com perfeição técnica cada vez maior, nos fazendo boiar num tempo parado, mas incessante,
num futuro que “não para de não chegar”.
Antes, tínhamos os velhos filmes em preto-e-branco, fora de foco, as fotos amareladas, que nos
davam a sensação de que o passado era precário e o futuro seria luminoso. Nada. Nunca estaremos no
futuro. E, sem o sentido da passagem dos dias, da sucessibilidade de momentos, de começo e fim, ficamos
também sem presente, vamos perdendo a noção de nosso desejo, que fica sem sossego, sem noite e sem dia.
Estamos cada vez mais em trânsito, como carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa, e cada vez
mais nossa identidade vai sendo programada. O tempo é uma invenção da produção. Não há tempo para os
bichos.
Há alguns anos, eu vi um documentário do cineasta Mika Kaurismaki e do Jim Jarmusch sobre um
filme que o Samuel Fuller ia fazer no Brasil, em 1951. Ele veio, na época, e filmou uma aldeia de índios no
interior do Mato Grosso. A produção não rolou e, em 92, Samuel Fuller, já com 83 anos, voltou à aldeia e
exibiu para os índios o material colorido de 50 anos atrás. E também registrou os índios vendo seu passado
na tela. Eles nunca tinham visto um filme e o resultado é das coisas mais lindas e assustadoras que já vi. Eu
vi os índios descobrindo o tempo. Eles se viam crianças, viam seus mortos, ainda vivos e dançando. Seus
rostos viam um milagre. A partir desse momento, eles passaram a ter passado e futuro. Foram incluídos
num decorrer, num “devir” que não havia. Hoje, esses índios estão em trânsito entre algo que foram e algo
que nunca serão. O tempo foi uma doença que passamos para eles, como a gripe. E pior: as imagens de 50
anos é que pareciam mostrar o “presente” verdadeiro deles. Eram mais naturais, mais selvagens, mais puros
naquela época. Agora, de calção e sandália, pareciam estar numa espécie de “passado” daquele presente.
Algo decaiu, piorou, algo involuiu neles.
Fui atrás de velhos filmes de 8mm que meu pai rodou há 50 anos também. Queria ver o meu passado,
ver se havia ali alguma chave que explicasse meu presente hoje, que prenunciasse minha identidade ou
denunciasse algo que perdi, ou que o Brasil perdeu. Em meio às imagens trêmulas, riscadas, fora de foco,
vi a precariedade de minha pobre família de classe média, tentando exibir uma felicidade familiar que até
existia, mas precária, constrangida; e eu ali, menino comprido feito um bambu no vento, já denotando a
insegurança que até hoje me alarma. Minha crise de identidade já estava traçada. E não eram imagens de
um passado bom que decaiu, como entre os índios. Era um presente atrasado, aquém de si mesmo.
Vendo filmes americanos dos anos 40, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e
telefones pretos, tudo já funcionava como hoje. O “hoje” deles é apenas uma decorrência contínua daqueles
anos. Mudaram as formas, o corte das roupas, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A
Depressão econômica tinha passado, como um trauma, e não aparecia como o nosso subdesenvolvimento
endêmico. Para os americanos, o passado estava de acordo com sua época. Em 42, éramos carentes de
alguma coisa que não percebíamos. Olhando nosso passado é que vemos como somos atrasados no presente.
Nos filmes brasileiros antigos, parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias.
E nós, hoje, continuamos nesta transição entre o atraso e uma modernização que não chega nunca?
Quando o Brasil vai crescer? Quando cairão afinal os “juros” da vida? [...] Nosso atraso cria a utopia de
que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas, ser subdesenvolvido não é “não ter futuro”; é nunca estar
no presente.
JABOR, Arnaldo. Disponível em: http://www.paralerepensar.com.br/a_jabor_nossodias.htm>. Acesso em: 6 set. 2016.
(Fragmento adaptado)
Em seu texto, o autor