Texto I
Entre palavras
Entre coisas e palavras – principalmente palavras –
circulamos. A maioria delas não figura nos dicionários de há trinta
anos, ou figura com outras acepções. A todo momento impõe-se
tornar conhecimento de novas palavras e combinações de.
Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma
palavra ou locução atual, pelo seu ouvido, sem registrá-la.
Amanhã, pode precisar dela. E cuidado ao conversar com
seu avô; talvez ele não entenda o que você diz. O malote, o
cassete, o spray, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a chacrete, o
linóleo, o nylon, o nycron, o diafone, a informática, a dublagem,
o sinteco, o telex... Existiam em 1940?
Ponha aí o computador, os anticoncepcionais, os mísseis,
a motoneta, a Velosolex, o biquíni, o módulo lunar, o antibiótico,
o enfarte, a acupuntura, a biônica, o acrílico, o tá legal, o
apartheid, o som pop, a arte pop, as estruturas e a infraestrutura.
Não esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo, a
descapitalização, o desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha,
o mass media, o Ibope, a renda per capita, a mixagem.
Só? Não. Tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o
servomecanismo, as algias, a coca-cola, o superego, a
Futurologia, a homeostasia, a Adecif, a Transamazônica, a
Sudene, o Incra, a Unesco, o Isop, a OEA, e a ONU. Estão
reclamando, porque não citei a conotação, o conglomerado, a
diagramação, o ideologema, idioleto, o ICM, a IBM, o falou, as
operações triangulares, o zoom, e a guitarra elétrica.
Olhe aí na fila – quem? Embreagem, defasagem, barra
tensora, vela de ignição, engarrafamento, Detran, poliéster,
filhotes de bonificação, letra imobiliária, conservacionismo,
carnet da girafa, poluição. Fundos de investimento, e daí?
Também os incentivos fiscais. Know-how. Barbeador elétrico
de noventa microrranhuras. FenoliteBaquelite, LP e compacto.
Alimentos super congelados. Viagens pelo crediário, Circuito
fechado de TV Rodoviária. Argh! Pow! Click!
Não havia nada disso no Jornal do tempo do Venceslau
Brás, ou mesmo, de Washington Luís. Algumas coisas começam
a aparecer sob Getúlio Vargas. Hoje estão ali na esquina, para
consumo geral A enumeração caótica não é uma invenção
crítica de Leo Spitzer. Está aí, na vida de todos os dias. Entre
palavras circulamos, vivemos, morremos, e palavras somos,
finalmente, mas com que significado?
(Carlos Drummond de Andrade, Poesia e prosa, Rio de Janeiro,
Nova Aguiar, 1988)
Em “Entre palavras circulamos, vivemos, morremos,”
(6º§), ocorre uma enumeração de: