A fim de encontrar a resposta correta, iremos analisar todas as alternativas propostas pela questão:
Item (A) - A conduta narrada no enunciado da questão, com toda a evidência, é atípica na medida em que não ocorreu a tipicidade em sua dimensão material, embora a formalmente típica. Com efeito, o bem jurídico, qual seja, o patrimônio da vítima, não foi vulnerado e, tampouco, a conduta afrontou a ordem social e o sentimento de justiça da sociedade. Trata-se, portanto, da aplicação ao caso do princípio da insignificância ou da bagatela. Assim, de acordo
Claus Roxin, o direito penal tem por escopo proteger bens jurídicos. Com
efeito, em alguns casos, embora a literalidade do tipo penal tenha sido
realizada por uma conduta, a essência do bem jurídico não chega a ser lesada. Por conseguinte, em
casos específicos, ainda que o fato típico tenha sido praticado, não ocorre,
todavia, nenhuma lesão à vítima, à comunidade e, sequer, ao ordenamento
jurídico. Não havendo lesão ao bem jurídico que o tipo penal quer tutelar, pois
o desvalor do resultado é insignificante, não merece o autor da conduta nenhuma
reprimenda de caráter penal. É, sob essa ótica, que se esculpiu no âmbito do
direito penal o princípio da insignificância ou bagatela.
O STF,
quanto ao princípio da insignificância, sedimentou o entendimento de não
aplicá-lo nos casos em que o agente da conduta pratica infrações penais de modo
reiterado. No entanto, a referida Corte também entende que, ao se tratar da
aplicação do princípio da insignificância, deve-se atentar para as
particularidades de cada caso concreto para se verificar a necessidade de sua
aplicação. Nesse sentido:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL.
PENAL. FURTO E TENTATIVA DE FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. NOTÍCIA DA PRÁTICA DE VÁRIOS OUTROS DELITOS
PELO PACIENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A
tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação
do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a
configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa
das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de
alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico
tutelado.
2. Para a
incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do
objeto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima
ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação,
o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da
lesão jurídica causada.
3. O grande
número de anotações criminais na folha de antecedentes do Paciente e a notícia
de que ele teria praticado novos furtos, após ter-lhe sido concedida liberdade
provisória nos autos da imputação ora analisados, evidenciam comportamento
reprovável.
4. O
criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser
tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes,
pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas
relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro
meio de vida.
5. O
princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar
constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta
ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no
caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que
insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a
característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 6. Ordem
denegada." (STF HC 102088, Relator(a):
Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-091 DIVULG
20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-05 PP-01058)
No que tange especificamente ao furto famélico, que ocorreu no enunciado da questão o STF entendeu que se aplica o princípio da insignificância senão vejamos:
"Ementa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE MINISTRO DE
TRIBUNAL SUPERIOR. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. TENTATIVA DE FURTO. ART. 155,
CAPUT, C/C ART. 14, II, DO CP). REINCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE. FURTO FAMÉLICO. ESTADO DE NECESSIDADE X INEXIGIBILIDADE DE
CONDUTA DIVERSA. SITUAÇÃO DE NECESSIDADE PRESUMIDA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
HABEAS CORPUS EXTINTO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as
seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente,
(b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade
do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A
aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de
criteriosa análise de cada caso, a fim de se evitar que sua adoção indiscriminada
constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. O
valor da res furtiva não pode ser o único parâmetro a ser avaliado, devendo ser
analisadas as circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo
enquadramento na hipótese de crime de bagatela, bem assim o reflexo da conduta
no âmbito da sociedade. 4. In casu, a) a paciente foi presa em flagrante e, ao
final da instrução, foi condenada à pena de 4 (quatro) meses de reclusão pela
suposta prática do delito previsto no art. 155, caput, c/c o art. 14, II, do
Código Penal (tentativa de furto), pois, tentou subtrair 1 (um) pacote de
fraldas, avaliado em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) de um estabelecimento
comercial. b) A atipicidade da conduta está configurada pela aplicabilidade do
princípio da bagatela e por estar caracterizado, mutatis mutandis, o furto
famélico, diante da estado de necessidade presumido evidenciado pelas
circunstâncias do caso. 5. O furto famélico subsiste com o princípio da
insignificância, posto não integrarem binômio inseparável. É possível que o
reincidente cometa o delito famélico que induz ao tratamento penal benéfico. 6.
Os fatos, no Direito Penal, devem ser analisados sob o ângulo da efetividade e
da proporcionalidade da Justiça Criminal. Na visão do saudoso Professor Heleno
Cláudio Fragoso, alguns fatos devem escapar da esfera do Direito Penal e serem
analisados no campo da assistência social, em suas palavras, preconizava que
“não queria um direito penal melhor, mas que queria algo melhor do que o
Direito Penal". 7. A competência desta Corte para a apreciação de habeas corpus
contra ato do Superior Tribunal de Justiça (CRFB, artigo 102, inciso I, alínea
“i") somente se inaugura com a prolação de decisão do colegiado, salvo as
hipóteses de exceção à Súmula nº 691 do STF, sendo descabida a flexibilização
desta norma, máxime por tratar-se de matéria de direito estrito, que não pode
ser ampliada via interpretação para alcançar autoridades – no caso, membros de
Tribunais Superiores – cujos atos não estão submetidos à apreciação do Supremo.
8. Habeas corpus extinto por inadequação da via eleita. Ordem concedida de
ofício para determinar o trancamento da ação penal, em razão da atipicidade da
conduta da paciente."
Sendo assim, a assertiva contida neste item está correta.
Item (B) - De acordo com entendimento majoritário na doutrina, incluindo-se aí o de
Fernando Capez, pelo princípio da
ofensividade ou da lesividade, a função do Direito Penal é de promover a defesa do
bem jurídico, de forma que, quando a conduta praticada pelo agente não ferir ou
colocar em risco o bem jurídico, o fato será considerado atípico. Embora o princípio da ofensividade se aplique ao caso, na hipótese trazida pela questão, em razão do conteúdo da alternativa contida no item (A), que faz referência ao princípio da insignificância, reputo que o item (A) é o correto. É que a o princípio da ofensividade não tem sido usado de modo autônomo em precedentes judicais, pois está associado ao princípio da insignificância que, por tradição, é o efetivamente empregado e citado como fundamento nas decisões relacionadas ao furto famélico e outras situações similares, ou seja, quando o bem jurídico não é atingido. Diante dessas considerações, há de se concluir que a assertiva contida neste item está equivocada.
Item (C) - O princípio
da humanidade da pena assegura que a aplicação e a execução da pena não podem
atentar contra a dignidade humana (artigo 1º, III, da Constituição da
República). Via de consequência, o poder punitivo estatal não pode aplicar
sanções que lesionem a integridade física e moral do preso. Nesse sentido, o
artigo 5º da Constituição prevê, como direitos e garantias fundamentais, que
ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante
(inciso III) e que não haverá penas de morte (salvo em caso de guerra
declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de banimento ou cruéis
(inciso XLVII). Assim, com toda a evidência, o princípio da humanidade da pena expresso neste item não se aplica, estando a presente assertiva incorreta.
Item (D) - Rogério
Greco, em seu Código Penal Comentado, citando o penalista espanhol Muñoz Conde,
nos apresenta a seguinte lição acerca da fragmentariedade do direito penal. Assim,
segundo o professor espanhol: "'nem todas as ações que atacam bens
jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, nem tampouco todos os bens
jurídicos são protegidos por ele. O Direito penal, repito mais uma vez, se
limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais
importantes, daí seu caráter 'fragmentário', pois de toda a gama de ações
proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito
Penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância'". Havendo a proteção a um bem jurídico por outros ramos do direito, tais como o
administrativo e o civil, suficiente para salvaguardá-lo, não haveria
necessidade de se criminalizar condutas. Nesse sentido, vale destacar o
seguinte lição de nossa jurisprudência: "O Direito Penal brasileiro é
dirigido pelo princípio da intervenção mínima, que elege o caráter fragmentário
e subsidiário desse direito, dependendo a sua atuação da existência de ofensa a
bem jurídico relevante, não defendido de forma eficaz por outros ramos do
Direito". (STJ, AgRg no AREsp 615.494/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, 5ª T ., DJe 09/06/2015). Sendo assim, temos que a assertiva contida
neste item está correta.
O bem jurídico formalmente atingido de acordo com enunciado da questão, qual seja o patrimônio, encontra-se protegido pelo ordenamento jurídico penal. No caso, o que ocorreu é que não foi efetivamente lesionado não havendo tipicidade material, apenas formal. É caso, como verificado no item (A) de incidência do princípio da insignificância. Diante dessa considerações, não se aplica à hipótese descrita na questão o princípio da fragmentariedade, estando a assertiva contida neste item, portanto, incorreta.
Item (E) - De acordo
com Rogério Greco em seu Código Penal Comentado, 11ª Edição, o princípio da
culpabilidade não se encontra no rol dos chamados princípios constitucionais
expressos, podendo, no entanto, ser extraído do texto constitucional,
principalmente do chamado princípio da dignidade da pessoa humana. Possui três
sentidos fundamentais: 1) culpabilidade como elemento integrante do conceito
analítico de crime; 2) culpabilidade como princípio medidor da pena; 3)
culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva
(responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado). Com toda a evidência, o princípio da culpabilidade não se aplica ao caso narrado na enunciado da questão, estando a assertiva contida neste item incorreta.
Gabarito do professor: (A)