- ID
- 244441
- Banca
- UPENET/IAUPE
- Órgão
- SERES-PE
- Ano
- 2010
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Fragmento
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de
cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros
da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava
de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com
lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma
cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando
audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma - "dama de grandes virtudes
apostólicas, esteio da religião e da moral", dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
(...)
A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão,
fora senhora de escravos - e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o
bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo - essa indecência de negro igual a branco e
qualquer coisinha: a polícia! "Qualquer coisinha": uma mucama assada ao forno porque se
engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: "Como é ruim, a sinhá!"...
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana.
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
- Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
LOBATO, Monteiro. Negrinha. In.: Monteiro Lobato; textos escolhidos. Por José Carlos Barbosa
Moreira. Rio de Janeiro, Agir, 1967. p. 74-6.
Em "Sempre escondida, que a patroa não gostava de criança", o vocábulo em destaque é