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ID
2497615
Banca
IBFC
Órgão
EMBASA
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Para a questão, leia a crônica de Carlos Drummond de Andrade.


                                          O murinho

      A princípio, o território neutro do edifício Jandaia era ocupado por mamães e babás, capitaneando inocentes que iam tomar a fresca da tarde; à noite, vinham empregadas em geral, providas de namorados civis e militares.

      Mas impõe-se a descrição sumária do território: simples área pavimentada em frente ao edifício, separando-se da calçada por uma pequena amurada de menos de dois palmos de altura, tão lisa que convidava a pousar e repousar. Os adultos cediam ao convite, e ali ficavam praticando sobre o tempo, a diarreia infantil, a exploração nas feiras, os casamentos e descasamentos da semana (na parte da tarde). Ou não conversavam, pois outros meios de comunicação se estabeleciam naturalmente na sombra, mormente se o poste da Light, que ali se alteia, falhava a seu destino iluminatório, o que era frequente (na parte da noite).

      Na área propriamente dita, a garotada brincava, e era esse o título de glória do Jandaia. Sem playground, oferecia entretanto a todos, de casa ou de fora, aquele salão a céu aberto, onde qualquer guri pulava, caía, chorava, tornava a pular, até que a estrela Vésper tocava gentilmente a recolher, numa sineta de cristal que só as mães escutam — as mães sentadas no “murinho”, nome dado à mureta concebida em escala de anão.

      E assim corria a Idade de Ouro, quando começaram a surgir, no expediente da tarde, uns rapazinhos e brotinhos de uniforme colegial, que foram tomando posse do terreno. Esse bando tinha o dinamismo próprio da idade — e, pouco a pouco, crianças, babás e mãezinhas se eclipsaram. Os invasores falavam essa língua alta e híbrida que se forja no mundo inteiro, com raízes no cinema, no esporte, na Coca-Cola e nos gritos guturais que se desprendem — quem não os distingue? — dos quadros “mudos” de Brucutu e Steve Roper. Divertido, mas um pouco assustador. E à noite, por sua vez, fuzileiros e copeiras tiveram de ir cedendo campo à horda que se renovava.

      Os moradores do Jandaia começaram a queixar-se. O porteiro saiu a parlamentar, e desacataram-no. A rua era pública. Sentavam no murinho com os pés para fora. Não faziam nada de mau, só cantar e assobiar. Os chatos que pirassem.

      Ouvindo-se tratar de chatos, por trás da cortina, os moradores indignaram-se. O telefone chamou a radiopatrulha, que foi rápida, mas a turminha ainda mais: ao chegar o carro, o porteiro estava falando sozinho.

      No dia seguinte, não houve concentração juvenil, mas já na outra tarde, meio cautelosos, eles reapareceram. A esse tempo a rua se dividira. Havia elementos solidários com a gente do Jandaia, e outros que defendiam a nova geração; estes argumentavam que a rapaziada era pura: em vez de bebericar nos bares, batia papo inocente à luz das estrelas. Preferível à grudação dos casais suspeitos, que antes envergonhava a rua.

      Mas o Jandaia tinha moradores idosos e enfermos, aos quais aquela bulha torturava; tinha também rapazes e meninas, que preferiam estudar e não podiam. Por que os engraçadinhos não iam fazer isso diante de suas casas?

      Como não houvesse condomínio, e os moradores dos fundos, livres da algazarra, se mostrassem omissos, uma senhora do segundo andar assumiu a ofensiva e txááá! um balde de água suja conspurcou a camisa esporte dos rapazes e o blue jeans das garotas. Consternação, raiva, debandada — mas no dia seguinte voltaram. E voltaram e tornaram a voltar.

    Ontem pela manhã, um pedreiro começou a furar o cimento do murinho, e a colocar nele uma grade de ferro, de pontas agudas. Vaquinha dos mártires do Jandaia? Não: outra iniciativa pessoal de um deles, coronel reformado e solteirão. “Logo vi que ele não tem filho!” — comentou uma das garotas, com desprezo. Mas a turma está desoladíssima, e nunca mais ninguém ousará sentar no murinho — nem mesmo as mansuetas babás e mamães, nem mesmo os casais noturnos.

ANDRADE, Carlos Drummond. In Fala, amendoeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 

Com base na leitura, analise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta.


I. O cronista sugere que, no período noturno, casais aproveitavam a falta de iluminação frequente para namorar.

II. “Mormente” é um advérbio e pode ser substituído, no texto, por “especialmente”.

Alternativas
Comentários
  • "Ou não conversavam, pois outros meios de comunicação se estabeleciam naturalmente na sombra ... falhava a seu destino iluminatório, o que era frequente (na parte da noite)."

    Mais adiante: "Preferível à grudação dos casais suspeitos, que antes envergonhava a rua."

    Entendi que por causas destes trechos, especificamente, o cronista sugere que, no período noturno, casais aproveitavam a falta de iluminação frequente para namorar.

  • MORMENTE

    advérbio

    em primeiro lugar; acima de tudo; sobretudo, principalmente, maiormente.

    "isentou alguns alunos daquelas tarefas, m. os mais estudiosos"

     

  • "Ou não conversavam, pois outros meios de comunicação se estabeleciam naturalmente na sombra, mormente se o poste da Light, que ali se alteia, falhava a seu destino iluminatório, o que era frequente (na parte da noite)."

    Sim, o cronista sugere que os casais, quando o poste falhava, "não conversavam" e estabeleciam "outros meios de comunicação".

    Só pode ser uma coisa... :P

  • Mormente

    principalmente, maiormente, sobretudo, especialmente, nomeadamente, particularmente, singularmente, máxime.

  • Gabarito letra A (I e II estão corretos)

  • dúvido alguem acertar essa parte do namoro como verdadeiro na prova com convicção

  • Acredito que a resposta ficou mais explícita em " Preferível à grudação dos casais suspeitos, que antes envergonhava a rua. "

  • Sinônimo de mormente

     

    8 sinônimos de mormente para 1 sentido da palavra mormente:

    Principalmente:

    principalmente, maiormente, sobretudo, especialmente, nomeadamente, particularmente, singularmente, máxime.

  • 1-O cronista sugere que, no período noturno, casais aproveitavam a falta de iluminação frequente para namorar.

    Ainda não encontrei o fragmento do texto que fala que (casais aproveitavam a falta de iluminação frequente para namorar).

    Se alguém puder mim ajudar aí, agradeço.

  • "Ou não conversavam, pois outros meios de comunicação se estabeleciam naturalmente na sombra (comunicação afetiva kkkkk), especialmente se o poste da Light, que ali se alteia, falhava a seu destino iluminatório (ficava escuro), o que era frequente (na parte da noite)."

    Essa é a parte do namoro, temos que ver que é Drummond.....também errei galera

  • É até claro, mas sugerir. (Questão voodoo) tipo ibfc

  • Sobre o namoro, achei o texto bem explícito.

    ...à noite, vinham empregadas em geral, providas de namorados civis e militares.

       Os adultos cediam ao convite, e ali ficavam praticando sobre o tempo, a diarreia infantil, a exploração nas feiras, os casamentos e descasamentos da semana (na parte da tarde). Ou não conversavam, pois outros meios de comunicação se estabeleciam naturalmente na sombra, mormente se o poste da Light, que ali se alteia, falhava a seu destino iluminatório, o que era frequente (na parte da noite).

    Mas a turma está desoladíssima, e nunca mais ninguém ousará sentar no murinho — nem mesmo as mansuetas babás e mamães, nem mesmo os casais noturnos.