SóProvas


ID
2537731
Banca
IBFC
Órgão
TJ-PE
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto I


                                                     Os outros


      Você não acha estranho que existam os outros? Eu também não achava, até que anteontem, quando tive o que, por falta de nome melhor, chamei de SCA – Súbita Consciência da Alteridade.

      Estava no carro, esperando o farol abrir, e comecei a observar um pedestre, vindo pela calçada. Foi então que, do nada, senti o espasmo filosófico, a fisgada ontológica. Simplesmente entendi, naquele instante, que o pedestre era um outro: via o mundo por seus próprios olhos, sentia um gosto em sua boca, um peso sobre seus ombros, tinha antepassados, medo da morte e achava que as unhas dos pés dele eram absolutamente normais – estranhas eram as minhas e as suas, caro leitor, pois somos os outros da vida dele.

      O farol abriu, o pedestre ficou pra trás, mas eu não conseguia parar de pensar que ele agora estava no quarteirão de cima, aprisionado em seus pensamentos, embalado por sua pele, tão centro do Cosmos e da Criação quanto eu, você e sua tia-avó.

      Sei que o que eu estou dizendo é de uma obviedade tacanha, mas não são essas verdades as mais difíceis de enxergar? A morte, por exemplo. Você sabe, racionalmente, que um dia vai morrer. Mas, cá entre nós: você acredita mesmo que isso seja possível? Claro que não! Afinal, você é você! Se você acabar, acaba tudo e, convenhamos, isso não faz o menor sentido.

      As formigas não são assim. Elas não sabem que existem. E, se alguma consciência elas têm, é de que não são o centro nem do próprio formigueiro. Vi um documentário ontem de noite. Diante de um riacho, as saúvas africanas se metiam na água e formavam uma ponte, com seus próprios corpos, para que as outras passassem. Morriam afogadas, para que o formigueiro sobrevivesse.

      Não, nenhuma compaixão cristã brotou em mim naquele momento, nenhuma solidariedade pela formiga desconhecida. (Deus me livre, ser saúva africana!). O que senti foi uma imensa curiosidade de saber o que o pedestre estava fazendo naquela hora. Estaria vendo o mesmo documentário? Dormindo? Desejando a mulher do próximo? Afinal, ele estava existindo, e continua existindo agora, assim como eu, você, o Bill Clinton, o Moraes Moreira. São sete bilhões de narradores em primeira pessoa soltos por aí, crentes que, se Deus existe, é conosco que virá puxar papo, qualquer dia desses. Sete bilhões de mundinhos. Sete bilhões de chulés. Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, ganharemos na loteria. Até a rainha da Inglaterra, agorinha mesmo, tá lá, minhocando as coisas dela, em inglês, por debaixo da coroa. Não é estranhíssimo?

(PRATA, Antônio. Os outros. In: Meio intelectual, meio de esquerda. São Paulo: Editora 34, 2010. p17-18)

Assinale a alternativa em que se faz um comentário INCORRETO acerca dos mecanismos coesivos empregados nas seguintes passagens do texto.

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: B.

     

    O "que" é conjunção integrante; possui valor substantivo e não substitui termo já citado.

  • a) “quando tive o que, por falta de nome melhor, chamei de SCA – Súbita Consciência da Alteridade.”(1º§) - o pronome antecipa, de modo geral, o seu referente. CORRETO. O = aquilo.

     

    b) “Simplesmente entendi, naquele instante, que (conjunção integrante = ISSO) o pedestre era um outro:”(2º§) – o pronome cumpre papel referencial, substituindo um termo já citado. ERRADO,portanto o gabarito. O que é conjunção integrante que não possui valor referencial. 

     

    c) “tão centro do Cosmos e da Criação quanto eu, você e sua tia-avó.” (3º§) – os termos destacados relacionamse entre si e estabelecem valor comparativo. CORRETO. Oração subordinada adverbial comparativa (conjunção tão...quanto).

     

    d) “As formigas não são assim. Elas não sabem que existem.”(5º§) – além do mecanismo de pronominalização, percebe-se ainda um zeugma nesse fragmento. CORRETO.

    Obs. Zeugma é uma forma de elipse. Ocorre quando é feita a omissão de um termo já mencionado anteriormente.

     

    e) “Não, nenhuma compaixão cristã brotou em mim naquele momento, nenhuma solidariedade pela formiga desconhecida.”(6º§) – a repetição, nesse caso, é expressiva e cumpre papel enfático. CORRETO.

  • D) Não acho que tenha zeugma. O termo "formigas" foi substituido por um pronome "elas. 

    Para existir o zeugma nao teria que ter ausência de termos ou a substituição do termo por uma virgula?

  • Renata Porto,

     

    O zeugma ocorre com o "elas", oculto na segunda ocorrência.

     

    “As formigas não são assim. Elas não sabem que (elas) existem.”

  • Gabarito: B

    b) que = conjunção integrante = isso

     

    Zeugma: Tal figura não é frequente em provas de concurso, logo a ideia de uma supressão de um termo anteriormente expresso tem se aplicado também à elipse. Em outras palavras, os concursos costumam analisar zeugma como elipse, o que não deixa de ser verdade, pois a diferença entre elas é que a elipse é a omissão de um termo sem referência no texto; já o zeugma é a omissão de um termo ocorrido anteriormente no texto.

    - Meu irmão passou em dois concursos; eu, em um só.     (eu passei em um só)

    - Corremos 5 km, eu em 30 minutos, ele em 25.     (ele correu em 25 minutos)

    - Ele é muito estudioso e a irmã também é.     (a irmã também é estudiosa)

     

    Fonte: Fernando Pestana, A gramática para concursos.

  • Marcito ST , esse livro do Fernando Pestana realmente é bom ?

  • GABARITO: B