SóProvas


ID
2561806
Banca
FCC
Órgão
TST
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      Há algumas dicotomias que parecem ter a força de atravessar o tempo e se imporem a nós com uma evidência inaudita. Em filosofia, conhecemos várias delas, assim como conhecemos suas maneiras de orientar o pensamento e as ações.

      Tais dicotomias podem operar não apenas como um horizonte normativo pressuposto, mas também como base para a consolidação de certas modalidades de pensamento crítico. No entanto, há momentos em que percebemos a necessidade de questionar as próprias estratégias críticas e suas dicotomias. Pois, ao menos para alguns, elas parecem nos paralisar em vez de nos permitir avançar em direção às transformações que desejamos.

      Um exemplo de dicotomia que tem força evidente no pensamento crítico atual é aquela, herdada de Spinoza, entre paixões tristes e paixões alegres. Paixões tristes diminuem nossa potência de agir, paixões alegres aumentam nossa potência de agir e nossa força para existir. A liberdade estaria ligada à força afirmativa das paixões alegres, assim como a servidão seria a perpetuação do caráter reativo das paixões tristes. Haveria pois aquilo que nos afeta de forma tal que permitiria a nossos corpos desenvolver ou não uma potência de agir e existir que é o exercício mesmo da vida em sua atividade soberana.

      Sem querer aqui fazer o exercício infame e sem sentido de discutir a teoria spinozista dos afetos e sua bela complexidade em uma coluna de jornal, gostaria apenas de sublinhar inicialmente a importância desse entendimento de que a capacidade crítica está ligada diretamente a uma compreensão dos afetos e de seus circuitos. Nada de nossas estratégias contemporâneas de crítica seria possível sem esse passo essencial de Spinoza, recuperado depois por vários outros filósofos que o seguiram.

      No entanto, valeria a pena nos perguntarmos o que aconteceria se insistíssemos que talvez não existam paixões tristes e paixões alegres, que talvez essa dicotomia possa e deva ser abandonada (independentemente do que pensemos ou não de Spinoza).

      É claro que isso inicialmente soa como um exercício ocioso de pensamento. Afinal, a existência da tristeza e da alegria nos parece imediatamente evidente, nós podemos sentir tal diferença e nos esforçamos (ou ao menos deveríamos nos esforçar, se não nos deixássemos vencer pelo ressentimento e pela resignação) para nos afastarmos da primeira e nos aproximarmos da segunda.

      Mas o que aconteceria se habitássemos um mundo no qual não faz mais sentido distinguir entre paixões tristes e alegres? Um mundo no qual existem apenas paixões, com a capacidade de às vezes nos fazerem tristes, às vezes alegres. Ou seja, um mundo no qual as paixões têm uma dinâmica que inclui necessariamente o movimento da alegria à tristeza.

     Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça. Não há afetos que não nos contraiam, não há vida que não se deixe paralisar, que não precise se paralisar por certo tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade. Mais, ainda. Não há vida que não se sirva da doença para se desconstituir e reconstruir.

                                                                      (SAFATLE, Wladimir. Folha de S.Paulo, 23/06/2017)

O tema privilegiado pelo autor em seu texto estaria já anunciado no seguinte título:

Alternativas
Comentários
  • Fiquei em dúvida entre a A e a C e me dei mal marcando a C.

    Achei que estivesse certíssima na C, quando percebi este trecho no terceiro parágrafo: "Nada de nossas estratégias contemporâneas de crítica seria possível sem esse passo essencial de Spinoza, recuperado depois por vários outros filósofos que o seguiram." 

     

    Mas... não foi dessa vez.

  • Não sei para vcs, mas fiz a prova de AJAJ do TST é os textos eram muito mais fáceis do que para os demais cargos...=(

  • No caso em questão foi fácil por demais essa questão, só observar: a conclusão é uma resposta a alternativa "a", ou seja, o objetivo do texto é justamente a indagação sobre paixoes tristes.

    TENHO DITO"!

  • O mais importante nesse tipo de questão é se apegar no comando: 

    "O tema privilegiado pelo autor em seu texto estaria já anunciado no seguinte título"

     

    Ele quero tema privilegiado, de todas alternativas a que mais chama a atenção já é a A, mas vejamos todas:

     

     a)Existem realmente paixões tristes? 

    O autor aborda sobre o tema durante o texto todo

     

     b)Reflexões de Spinoza. 

    O tema não é exatamente esse, embora seja citado pelo autor, não é nem de longe um tema privilegiado no texto.

     

     c)Estratégias da crítica contemporânea.

    Nada a ver com o tema

     

     d)A influência de Spinoza sobre filósofos posteriores.

    Não é o tema do texto.

     

     e)Indagações filosóficas quase impertinentes. 

    Também nada a ver.

     

     

    Gabarito: A

  • Galera, eu fiquei na dúvida entre a C e A. No entanto, acabei marcando a A, baseado pelo excerto em vermelho do texto:

     

     Sem querer aqui fazer o exercício infame e sem sentido de discutir a teoria spinozista dos afetos e sua bela complexidade em uma coluna de jornal, gostaria apenas de sublinhar inicialmente a importância desse entendimento de que a capacidade crítica está ligada diretamente a uma compreensão dos afetos e de seus circuitos. Nada de nossas estratégias contemporâneas de crítica seria possível sem esse passo essencial de Spinoza, recuperado depois por vários outros filósofos que o seguiram.

          No entanto, valeria a pena nos perguntarmos o que aconteceria se insistíssemos que talvez não existam paixões tristes e paixões alegres, que talvez essa dicotomia possa e deva ser abandonada (independentemente do que pensemos ou não de Spinoza).

          É claro que isso inicialmente soa como um exercício ocioso de pensamento. Afinal, a existência da tristeza e da alegria nos parece imediatamente evidente, nós podemos sentir tal diferença e nos esforçamos (ou ao menos deveríamos nos esforçar, se não nos deixássemos vencer pelo ressentimento e pela resignação) para nos afastarmos da primeira e nos aproximarmos da segunda.

          Mas o que aconteceria se habitássemos um mundo no qual não faz mais sentido distinguir entre paixões tristes e alegres? Um mundo no qual existem apenas paixões, com a capacidade de às vezes nos fazerem tristes, às vezes alegres. Ou seja, um mundo no qual as paixões têm uma dinâmica que inclui necessariamente o movimento da alegria à tristeza.

         Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça. Não há afetos que não nos contraiam, não há vida que não se deixe paralisar, que não precise se paralisar por certo tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade. Mais, ainda. Não há vida que não se sirva da doença para se desconstituir e reconstruir.

                                                                          (SAFATLE, Wladimir. Folha de S.Paulo, 23/06/2017)

     

  • Foi fácil por demais Alexandre e eu tomei no %*&#!  kkkk !! Fiz da mesma forma que a Quesia :( :( 

    Quando eu li : ''No entanto, há momentos em que percebemos a necessidade de questionar as próprias estratégias críticas e suas dicotomias. '' marquei a letra C sem dó e piedade !! 

     

    A LUTA CONTINUA !!!! 

  • A questão não é nem de perto fácil e achei o texto de difícil compreensão, mas tentei resolver a questão relendo o último parágrafo, supondo que este seria a conclusão do autor.

    Marquei a letra A por causa desse trecho: "Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça. Não há afetos que não nos contraiam, não há vida que não se deixe paralisar, que não precise se paralisar por certo tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade. Mais, ainda. Não há vida que não se sirva da doença para se desconstituir e reconstruir."

  • Dica: os autores, geralmente, apresentam a tese do texto (tema central a ser abordado) nas primeiras linhas e a retomam no início da conclusão. Pense bem... quando vamos escrever um texto dissertativo argumentativo (a banca, por exemplo, solicitou-nos para discorrer sobre racismo), como deveria ser o primeiro período do texto e o início da conclusão?! Algo que remete diretamente ao tema solicitado!

     

    Neste texto, em específico, o autor não tratou do tema diretamente logo no início, entretanto, em sua conclusão, isso fica bastante claro: 
    "Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça - elemento conclusivo e a tese principal abordada e defendida pelo autor.

     

    Espero ter ajudado.

    Abraços

  • Definitivamente o gabarito deveria ser letra E, pq tudo isso é impertinente. 

     

    Haja saco pra ler um texto desses.

  • Ler um texto como esse antes das 5 da manhã... realmente, é muito impertinente! Rsrs 

  • Gabarito: letra A.

     

    Depois de ler um texto complexo como este, ao menos para mim, é realmente complicado marcar algo tão óbvio como a alternativa "A". Erramos, muitas vezes, por não nos atermos ao que está explícito e procurar "chifre na cabeça de cavalo". Enfim, aqui é fácil, mas na hora da prova, com toda a pressão, uma pequena dúvida se torna um enorme obstáculo.

     

    Treine todos os dias!

     

    PS.: óbvio agora, que já sei a resposta...