SóProvas


ID
2561809
Banca
FCC
Órgão
TST
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      Há algumas dicotomias que parecem ter a força de atravessar o tempo e se imporem a nós com uma evidência inaudita. Em filosofia, conhecemos várias delas, assim como conhecemos suas maneiras de orientar o pensamento e as ações.

      Tais dicotomias podem operar não apenas como um horizonte normativo pressuposto, mas também como base para a consolidação de certas modalidades de pensamento crítico. No entanto, há momentos em que percebemos a necessidade de questionar as próprias estratégias críticas e suas dicotomias. Pois, ao menos para alguns, elas parecem nos paralisar em vez de nos permitir avançar em direção às transformações que desejamos.

      Um exemplo de dicotomia que tem força evidente no pensamento crítico atual é aquela, herdada de Spinoza, entre paixões tristes e paixões alegres. Paixões tristes diminuem nossa potência de agir, paixões alegres aumentam nossa potência de agir e nossa força para existir. A liberdade estaria ligada à força afirmativa das paixões alegres, assim como a servidão seria a perpetuação do caráter reativo das paixões tristes. Haveria pois aquilo que nos afeta de forma tal que permitiria a nossos corpos desenvolver ou não uma potência de agir e existir que é o exercício mesmo da vida em sua atividade soberana.

      Sem querer aqui fazer o exercício infame e sem sentido de discutir a teoria spinozista dos afetos e sua bela complexidade em uma coluna de jornal, gostaria apenas de sublinhar inicialmente a importância desse entendimento de que a capacidade crítica está ligada diretamente a uma compreensão dos afetos e de seus circuitos. Nada de nossas estratégias contemporâneas de crítica seria possível sem esse passo essencial de Spinoza, recuperado depois por vários outros filósofos que o seguiram.

      No entanto, valeria a pena nos perguntarmos o que aconteceria se insistíssemos que talvez não existam paixões tristes e paixões alegres, que talvez essa dicotomia possa e deva ser abandonada (independentemente do que pensemos ou não de Spinoza).

      É claro que isso inicialmente soa como um exercício ocioso de pensamento. Afinal, a existência da tristeza e da alegria nos parece imediatamente evidente, nós podemos sentir tal diferença e nos esforçamos (ou ao menos deveríamos nos esforçar, se não nos deixássemos vencer pelo ressentimento e pela resignação) para nos afastarmos da primeira e nos aproximarmos da segunda.

      Mas o que aconteceria se habitássemos um mundo no qual não faz mais sentido distinguir entre paixões tristes e alegres? Um mundo no qual existem apenas paixões, com a capacidade de às vezes nos fazerem tristes, às vezes alegres. Ou seja, um mundo no qual as paixões têm uma dinâmica que inclui necessariamente o movimento da alegria à tristeza.

     Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça. Não há afetos que não nos contraiam, não há vida que não se deixe paralisar, que não precise se paralisar por certo tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade. Mais, ainda. Não há vida que não se sirva da doença para se desconstituir e reconstruir.

                                                                      (SAFATLE, Wladimir. Folha de S.Paulo, 23/06/2017)

O texto legitima a seguinte assertiva:

Alternativas
Comentários
  • alguém explica o termo "legou" ? :O

  •  

    Legar vem do substantivo LEGADO, herdado, transmitido.

    No Direito, legar é Deixar em testamento.[Figurado]

  • Estou achando essa prova de português do TRF bem mais difícil que a do TST e TRT-21. Os textos são bem mais densos, fica muito mais trabalhoso interpretar.

  • FCC , VOCÊ PARTIU MEU CORAÇÃO. 

  • Ao cauê.

     

    O que é legar: v.t. Deixar em testamento. Fig. Transmitir: legar suas virtudes aos filhos.

     

    Leguei ao meu filho a minha casa.

     

     

  • a)

    Certas ideias que envolvem aceitação harmoniosa de dois termos geralmente incompatíveis tornam-se atemporais e manifestam, de modo evidente, seu caráter contestador de paradigmas instituídos.   = nao eh harmonioso nao galera.

     b)

    Viver implica agir com coerência aos pressupostos do pensamento crítico e, na contemporaneidade, esse pensamento crítico é o estabelecido por Spinoza em seu estudo sobre a soberania dos afetos, das paixões tristes e das paixões alegres. 

     c)

    Atividades jornalísticas, como a de colunista, impõem tratamento simplificado de grandes temas, quer devido ao tipo de público a que se destinam, quer ao próprio perfil dos divulgadores desses temas. 

     d)

    Quando o indivíduo problematiza fatos que lhe chegam por meio de seus próprios sentidos, enreda-se em indagações que nada atenuam suas incertezas, por isso essa é intrinsecamente uma prática estéril. 

     e)

    Pensar a paixão destituída da caracterização que a teoria de Spinoza legou ao pensamento contemporâneo pode propiciar a percepção de um novo circuito dos afetos, com interação de outra ordem entre eles. 

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  •  a)  Certas ideias que envolvem aceitação harmoniosa de dois termos geralmente incompatíveis tornam-se atemporais e manifestam, de modo evidente (EVIDENTEMENTE), seu caráter contestador de paradigmas instituídos.  

     = taxativo e enfático

     

     b)  Viver implica agir com coerência aos pressupostos do pensamento crítico e, na contemporaneidade, esse pensamento crítico é o estabelecido por Spinoza em seu estudo sobre a soberania dos afetos, das paixões tristes e das paixões alegres. 

     = taxativo e enfático

     

     c)  Atividades jornalísticas, como a de colunista, impõem tratamento simplificado de grandes temas, quer devido ao tipo de público a que se destinam, quer ao próprio perfil dos divulgadores desses temas. 

    = taxativo e enfático

     

     d) Quando o indivíduo problematiza fatos que lhe chegam por meio de seus próprios sentidos, enreda-se em indagações que nada atenuam suas incertezas, por isso essa é intrinsecamente uma prática estéril

    = taxativo e enfático

     

     e) Pensar a paixão destituída da caracterização que a teoria de Spinoza legou ao pensamento contemporâneo pode propiciar a percepção de um novo circuito dos afetos, com interação de outra ordem entre eles.

    = olha o detalhe do verbo: pode propiciar... examinador retoma a tese do texto de modo mais brando...sendo cauteloso ao afirmar algo como certeza absoluta.

     

    @BrunoTRT, parabéns por sua determinação e foco. Vamos rumo à aprovação ;)

  • Que texto medonho. Misericórdia!

  • Eu nunca vi, na minha vida, uma prova de português mais difícil que essa....

  • É possível que, em um mundo sem amor que se caracterize como triste ou alegre, as relações humanas sejam mais harmoniosas e sem expressões extremadas de ódio ou amor. Apenas relações. 

    Claro que isso é só no mundo das possibilidades!

  • A. Certas ideias que envolvem aceitação harmoniosa de dois termos geralmente incompatíveis tornam-se atemporais e manifestam, de modo evidente, seu caráter contestador de paradigmas instituídos.

    Bom, uma coisa é aceitação harmoniosa de dois termos geralmente incompatíveis (por exemplo, paixões tristes e paixões alegres), outra coisa é o que o texto nos mostrou, isto é, que é possível romper a dicotomia e analisar as facetas partindo-se de um conceito só (in casu, paixão). Ao fazer desse modo não há aceitação harmoniosa, e o trecho a seguir prova:

    "Mas o que aconteceria se habitássemos um mundo no qual não faz mais sentido distinguir entre paixões tristes e alegres? Um mundo no qual existem apenas paixões, com a capacidade de às vezes nos fazerem tristes, às vezes alegres. Ou seja, um mundo no qual as paixões têm uma dinâmica que inclui necessariamente o movimento da alegria à tristeza.

    Pois, se esse for o caso, então talvez sejamos obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastarmos do que tenderíamos a chamar de "paixões tristes", pois não há paixão que, em vários momentos, não nos entristeça".

    B. Pensar a paixão destituída da caracterização que a teoria de Spinoza legou ao pensamento contemporâneo pode propiciar a percepção de um novo circuito dos afetos, com interação de outra ordem entre eles.

    Uma coisa é pensar a paixão sem levar em contra a dicotomia do filósofo, o que está certo e o autor o faz ao reduzir a paixão triste e a paixão alegre a uma só paixão dotada de matizes alegres e tristes; outra coisa é pensá-la sem levar em conta a atuação de Spinoza, isso é inviável (conforme o autor), já que "nada de nossas estratégias contemporâneas de crítica seria possível sem esse passo essencial de Spinoza, recuperado depois por vários outros filósofos que o seguiram."