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ID
2594272
Banca
IBADE
Órgão
IPERON - RO
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                       A mulher que ia navegar


     O anúncio luminoso de um edifício em frente, acendendo e apagando, dava banhos intermitentes de sangue na pele de seu braço repousado, e de sua face. Ela estava sentada junto à janela e havia luar; e nos intervalos desse banho vermelho ela era toda pálida e suave.

      Na roda havia um homem muito inteligente que falava muito; havia seu marido, todo bovino; um pintor louro e nervoso; uma senhora morena de riso fácil e engraçado; um físico, uma senhora recentemente desquitada, e eu. Para que recensear a roda que falava de política e de pintura? Ela não dava atenção a ninguém. Quieta, às vezes sorrindo quando alguém lhe dirigia a palavra, ela apenas mirava o próprio braço, atenta à mudança da cor. Senti que ela fruía nisso um prazer silencioso e longo. “Muito!”, disse quando alguém lhe perguntou se gostara de um certo quadro - e disse mais algumas palavras; mas mudou um pouco a posição do braço e continuou a se mirar, interessada em si mesma, com um ar sonhador. 

      Quando começou a discussão sobre pintura figurativa, abstrata e concreta, houve um momento em que seu marido classificou certo pintor com uma palavra forte e vulgar; ela ergueu os olhos para ele, com um ar de censura; mas nesse olhar havia menos zanga do que tédio. Então senti que ela se preparava para o enganar.

    Ela se preparava devagar, mas sem dúvida e sem hesitação íntima nenhuma; devagar, como um rito. Talvez nem tivesse pensado ainda que homem escolheria, talvez mesmo isso no fundo pouco lhe importasse, ou seria, pelo menos, secundário. Não tinha pressa. O primeiro ato de sua preparação era aquele olhar para si mesma, para seu belo braço que lambia devagar com os olhos, como uma gata se lambe no corpo; era uma lenta preparação. Antes de se entregar a outro homem, ela se entregaria longamente ao espelho, olhando e meditando seu corpo de 30 anos com uma certa satisfação e uma certa melancolia, vendo as marcas do maiô e da maternidade e se sorrindo vagamente, como quem diz: eis um belo barco prestes a se fazer ao mar; é tempo. 

    Talvez tenha pensado isso naquele momento mesmo; olhou-me, quase surpreendendo o olhar com que eu estudava; não sei; em todo caso, me sorriu e disse alguma coisa, mas senti que eu não era o navegador que ela buscava. Então, como se estivesse despertando, passou a olhar uma a uma as pessoas da roda; quando se sentiu olhado, o homem inteligente que falava muito continuou a falar encarando-a, a dizer coisas inteligentes sobre homem e mulher; ela ia voltar os olhos para outro lado, mas ele dizia logo outra coisa inteligente, como quem joga depressa mais quirera de milho a uma pomba. Ela sorria, mas acabou se cansando daquele fluxo de palavras, e o abandonou no meio de uma frase. Seus olhos passaram pelo marido e pelo pequeno pintor louro e então senti que pousavam no físico. Ele dizia alguma coisa à mulher recentemente desquitada, alguma coisa sobre um filme do festival. Era um homem moreno e seco, falava devagar e com critério sobre arte e sexo. Falava sem pose, sério; senti que ela o contemplava com uma vaga surpresa e com agrado. Estava gostando de ouvir o que ele dizia à outra. O homem inteligente que falava muito tentou chamar-lhe a atenção com uma coisa engraçada, e ela lhe sorriu; mas logo seus olhos se voltaram para o físico. E então ele sentiu esse olhar e o interesse com que ela o ouvia, e disse com polidez:

       - A senhora viu o filme?

    Ela fez que sim com a cabeça, lentamente, e demorou dois segundos para responder apenas: vi. Mas senti que seu olhar já estudava aquele homem com uma severa e fascinada atenção, como se procurasse na sua cara morena os sulcos do vento do mar e, no ombro largo, a secreta insígnia do piloto de longo, longo curso.

  Aborrecido e inquieto, o marido bocejou - era um boi esquecido, mugindo, numa ilha distante e abandonada para sempre. É estranho: não dava pena.

    Ela ia navegar.


BRAGA, Rubem. A mulher que ia navegar. In: Rubem Braga. Recado da primavera. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991. p.80- 82.

“houve um momento em que seu marido classificou certo pintor com uma palavra forte e vulgar; ela ergueu os olhos para ele, com um ar de censura.”

Com relação aos componentes destacados do trecho, é correto afirmar que:

Alternativas
Comentários
  • A letra E também está incorreta, tendo em vista que o ELE não é pronome oblíquo, mas pronome reto. Essa questão deveria ser anulada.

  • Alyne, o pronome ele também pode ser usado como obliquo tônico, quando exerce função de complemento.

  • Errei essa por achar que "ele" não é um pronome oblíquo, mas eu estava errado.

     

    "Uso dos pronomes oblíquos tônicos

    Os pronomes oblíquos tônicos são sempre seguidos de preposições e podem ter as seguintes funções:

    Complemento nominal: Muitos doces fazem mal a mim.

    Objeto indireto: Não contaria o segredo para ti.

    Objeto direto: Esqueceu os livros e a si na cidade.

    Agente da passiva: Os biscoitos foram feitos por ela.

    Adjunto adverbial: Fará os trabalhos conosco."

     

    Gabarito: E

    https://www.todamateria.com.br/pronomes-obliquos/

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  • Só completando os outros comentários: a palavra CERTO esta como pronome indefinido: percebam a diferença "A imagem foi feita por CERTO pintor " equivale a um pintor qualquer a ideia fica vaga ... "pronome indefinido" Agr vejam : " A imagem foi feita pelo pintor CERTO " ou seja, não foi qualquer pintor quem fez a pintura e sim um pintor específico, neste caso está exercendo a função de adjetivo ... Bizu: SBC "semelhante, bastante e certo " antes do substantivo é pronome, após será adjetivo .

  • e) ELE é um pronome substantivo pessoal oblíquo e substitui um referente já apresentado.

  • o ELE é pronome pessoal do caso reto, podendo ser na função sintática complemento indireto do verbo. então teria que substuí-lo por "LHE", esse sim, seria um pronome pessoal oblíquo átono.
    - "ela ergueu-lhe os olhos"

  • a) FORTE e VULGAR são substantivos abstratos que designam qualidade. Adjetivo.

    b) EM QUE é uma locução conjuntiva integrante que possui valor restritivo.Pron.Relativo ( qual seu marido...)

     c) o termo CERTO é um adjetivo e, no contexto, significa 'corretamente'. Está mais no sentido de referência a alguém em específico.

     d) DE CENSURA é locução adverbial causal porque exprime causa em relação a seu referente. É complemmento de um nome. (Ar).

     e) ELE é um pronome substantivo pessoal oblíquo e substitui um referente já apresentado.Correto

  • depois de uma porrada de questoes bombasticas, mandam uma dessa pra gente não zerar em portugues.. 

  • Ele (a), nós, vós, podem ser retos, como podem ser obliquos tônicos. Nesse caso, exercem função de complemento ou adjunto, e será obrigatoriamente preposicionado.

  • Posso ter aprendido errado, mas pra mim, "ele" é pronome pessoal do caso reto, e não oblíquo.

  • Ele e pronome pessoal RETO! CABE UM BELO RECURSO AQUI!

  • Pronomes pessoais oblíquos átonos: me, te, se, o, a, os, as, lhe, lhes, nos vos (sem preposição)

    Pronomes pessoais oblíquos tônicos: mim, comigo, ti, contigo, si, consigo, Ele, Ela, Eles, Elas, nós, conosco, vós, convosco (esses precedidos de preposição)

    Letra E

  • “houve um momento em que seu marido classificou certo pintor com uma palavra forte e vulgar; ela ergueu os olhos para ele, com um ar de censura.”

     

    a) FORTE e VULGAR são substantivos abstratos que designam qualidade.

    São adjetivos.

    b) EM QUE é uma locução conjuntiva integrante que possui valor restritivo.

    É um pronome relativo. Tem sentido aproximado de "onde" ou de "no qual" e suas variações.

    c) o termo CERTO é um adjetivo e, no contexto, significa 'corretamente'.

    Pronome indefinido e tem sentido aproximado de "algum pintor".

    d) DE CENSURA é locução adverbial causal porque exprime causa em relação a seu referente.

    "De censura" está apoiado no substantivo "ar" e está caracterizando-o. Advérbio não se apoia em substantivo, apenas em advérbio, verbo ou adjetivo; portanto, "de censura" é uma locução adjetiva.

    e) ELE é um pronome substantivo pessoal oblíquo e substitui um referente já apresentado.

    Pronomes pessoais do caso reto são aqueles que têm a função de sujeito ou de predicativo do sujeito. "Ele" é objeto indireto; portanto, não é pronome pessoal do caso reto, e sim, pronome substantivo pessoal oblíquo tônico, pois está substituindo o termo "seu marido".

    GAB E

  • Tudo bem pessoal , acredito também que a banca errou ... ELE é pronome pessoal do caso reto .

    Mas, por via das dúvidas .. também funciona como pronome substantivo a que se refere algo já mencionado .. Daria para responder tranquilamente a questão como gabarito letra (E).

  • Raaaaaaaaaaaaaaaaatinho! ELE e do caso Reto! Recurso já!

  • gente o pronome esta preposicionado e funcionando como complemento nesse caso nao pode ser reto, só seria reto se o pronome fosse sujeito