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ID
2594287
Banca
IBADE
Órgão
IPERON - RO
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                       A mulher que ia navegar


     O anúncio luminoso de um edifício em frente, acendendo e apagando, dava banhos intermitentes de sangue na pele de seu braço repousado, e de sua face. Ela estava sentada junto à janela e havia luar; e nos intervalos desse banho vermelho ela era toda pálida e suave.

      Na roda havia um homem muito inteligente que falava muito; havia seu marido, todo bovino; um pintor louro e nervoso; uma senhora morena de riso fácil e engraçado; um físico, uma senhora recentemente desquitada, e eu. Para que recensear a roda que falava de política e de pintura? Ela não dava atenção a ninguém. Quieta, às vezes sorrindo quando alguém lhe dirigia a palavra, ela apenas mirava o próprio braço, atenta à mudança da cor. Senti que ela fruía nisso um prazer silencioso e longo. “Muito!”, disse quando alguém lhe perguntou se gostara de um certo quadro - e disse mais algumas palavras; mas mudou um pouco a posição do braço e continuou a se mirar, interessada em si mesma, com um ar sonhador. 

      Quando começou a discussão sobre pintura figurativa, abstrata e concreta, houve um momento em que seu marido classificou certo pintor com uma palavra forte e vulgar; ela ergueu os olhos para ele, com um ar de censura; mas nesse olhar havia menos zanga do que tédio. Então senti que ela se preparava para o enganar.

    Ela se preparava devagar, mas sem dúvida e sem hesitação íntima nenhuma; devagar, como um rito. Talvez nem tivesse pensado ainda que homem escolheria, talvez mesmo isso no fundo pouco lhe importasse, ou seria, pelo menos, secundário. Não tinha pressa. O primeiro ato de sua preparação era aquele olhar para si mesma, para seu belo braço que lambia devagar com os olhos, como uma gata se lambe no corpo; era uma lenta preparação. Antes de se entregar a outro homem, ela se entregaria longamente ao espelho, olhando e meditando seu corpo de 30 anos com uma certa satisfação e uma certa melancolia, vendo as marcas do maiô e da maternidade e se sorrindo vagamente, como quem diz: eis um belo barco prestes a se fazer ao mar; é tempo. 

    Talvez tenha pensado isso naquele momento mesmo; olhou-me, quase surpreendendo o olhar com que eu estudava; não sei; em todo caso, me sorriu e disse alguma coisa, mas senti que eu não era o navegador que ela buscava. Então, como se estivesse despertando, passou a olhar uma a uma as pessoas da roda; quando se sentiu olhado, o homem inteligente que falava muito continuou a falar encarando-a, a dizer coisas inteligentes sobre homem e mulher; ela ia voltar os olhos para outro lado, mas ele dizia logo outra coisa inteligente, como quem joga depressa mais quirera de milho a uma pomba. Ela sorria, mas acabou se cansando daquele fluxo de palavras, e o abandonou no meio de uma frase. Seus olhos passaram pelo marido e pelo pequeno pintor louro e então senti que pousavam no físico. Ele dizia alguma coisa à mulher recentemente desquitada, alguma coisa sobre um filme do festival. Era um homem moreno e seco, falava devagar e com critério sobre arte e sexo. Falava sem pose, sério; senti que ela o contemplava com uma vaga surpresa e com agrado. Estava gostando de ouvir o que ele dizia à outra. O homem inteligente que falava muito tentou chamar-lhe a atenção com uma coisa engraçada, e ela lhe sorriu; mas logo seus olhos se voltaram para o físico. E então ele sentiu esse olhar e o interesse com que ela o ouvia, e disse com polidez:

       - A senhora viu o filme?

    Ela fez que sim com a cabeça, lentamente, e demorou dois segundos para responder apenas: vi. Mas senti que seu olhar já estudava aquele homem com uma severa e fascinada atenção, como se procurasse na sua cara morena os sulcos do vento do mar e, no ombro largo, a secreta insígnia do piloto de longo, longo curso.

  Aborrecido e inquieto, o marido bocejou - era um boi esquecido, mugindo, numa ilha distante e abandonada para sempre. É estranho: não dava pena.

    Ela ia navegar.


BRAGA, Rubem. A mulher que ia navegar. In: Rubem Braga. Recado da primavera. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991. p.80- 82.

Assinale a opção que indica o segmento em que o emprego da preposição destacada ocorre em função da presença de um termo anterior que a exige.

Alternativas
Comentários
  • "Ela não dava atenção A ninguém."

    Dar alguma coisa a alguém

     

    "Eu não quero acreditar, eu quero conhecer." (Carl Sagan)

  • ??? Muito confuso essa questão 

  • Mateus, é confusa a questão.

  • Essa questão só exige um pouco de atenção, pois  nas letras A,B,C,E as palavras ateriores as preposições não as pede ele serve apenas para complementar sendo um termo dispensável, já a preposição da letra D é indispensável pois ele serve para designar o complemento indireto do verbo Bitransitivo DAR.

  • ATENÇÃO pede a preposição A

     

    Sertão brasil !

  • Muito confusa. Outros termos anteriores também exigem complemento com preposição.

    Por exemplo, quando falamos de "fluxo", é sempre sobre o fluxo DE alguma coisa, já que essa palavra não ten sentido completo sozinha. Precisa de algum complemento nominal.

  • A questão trata de regência, no caso regência nominal. Quando o examinador pede a alternativa em que a preposição foi exigida por termo anterior, ele, na verdade quer saber se a preposição foi exigida por um substantivo abstrato, adjetivo, advérbio ou por um verbo transitivo indireto. Assim, as preposições existentes em uma frase/oração, quando exigidas por termo anterior, está introduzindo ou objeto indireto, ou complemento nominal, não sendo nenhuma dessas funções sintáticas a serem introduzidas, a preposição não estará sendo exigida por termo nenhum da frase/oração, e sim por uma questão semântica.

  • GABARITO D

    Termos que exigem preposição:

    COMPLEMENTOS VERBAIS E NOMINAIS

    Complemento do Verbo: Objeto Indireto

    Complemento do Nome: Complemento Nominal

    A - "Ela sorria, mas acabou se cansando daquele fluxo DE palavras." Adjunto adnominal

    B - "olhando e meditando seu corpo DE 30 anos." Adjunto adnominal

    C - "vendo as marcas DO maiô e da maternidade." Adjunto adnominal

    D - "Ela não dava atenção A ninguém." Complemento Nominal

    E - "O anúncio luminoso DE um edifício em frente." Adjunto adnominal