Explicar ou compreender?
Muitas coisas podemos explicar sem, propriamente, compreender. Mas a pessoa humana, em sua dimensão mais íntima e
profunda, só pode ser compreendida, jamais explicada. Posso explicar, segundo a lei da gravidade, a queda de uma pedra do décimo
andar de um edifício. A pedra está totalmente sujeita à lei da gravidade, que a determina por inteiro, de modo a permitir uma
explicação cabal desse fenômeno físico, dentro do princípio estrito da causalidade mecânica. Se, entretanto, um homem desesperado
atira-se desse mesmo andar, o fato passa a pertencer a nível fenomênico inteiramente distinto. Posso explicar a queda do seu corpo
pela mesma lei da gravitação, mas, nessa medida, estou a assimilá-lo à pedra, e meu juízo é apenas o de um físico interessado na
queda dos corpos. Se quero interpretar o seu gesto, tenho que compreendê-lo em seu significado, tenho que aceitá-lo em sua
irredutível integridade. Será sempre um ato significativo, pleno de interioridade; uma resposta criadora da vontade, embora destrutiva,
de uma liberdade pessoal acuada, frente a uma situação interna insuportável.
Se a pessoa humana é explicada, e não compreendida, destroem-se sua escolha e sua liberdade e, assim, degrada-se a sua
história existencial. Sem liberdade interior não há história a ser compreendida, só fenômenos mecânicos. O homem, como pessoa, é
um permanente emergir da necessidade, e essa emergência transcendente constitui o seu projeto como ser-no-mundo − projeto que
não se pode explicar, mas que se deve buscar compreender.
(Adaptado de: PELLEGRINO, Hélio. Lucidez embriagada. São Paulo: Planeta, 2004, p. 28-29)
Diferentemente do que constitui uma explicação, a compreensão do gesto de uma pessoa humana se dá quando se