A imagem é chocante. Ao ver um corpo estendido na linha férrea, o maquinista pisa no freio. Do lado de
fora, o controlador de tráfego determina que ele siga viagem. O trem volta a se mover e passa lentamente
sobre o cadáver. O caso aconteceu na última terça em Madureira, no subúrbio do Rio. Seria mais uma
morte invisível se a cena não tivesse sido filmada por um passageiro com o celular. O homem atropelado
era Adílio Cabral dos Santos, de 33 anos de idade. Batizado com nome de jogador, e negro como ele,
driblava o desemprego como vendedor de doces. Os ambulantes atravessam a linha várias vezes ao dia
para evitar a apreensão de balas, biscoitos e garrafas d’água. Em nota sobre o acidente, a concessionária
Supervia condenou a vítima, ao lamentar “a perda de mais uma vida por invasão dos trilhos”. A empresa,
que pertence ao grupo Odebrecht, citou o “horário de pico” para justificar o segundo atropelamento. “A
paralisação da linha”, alegou, “criaria transtornos para toda a movimentação do horário”. “Diante do risco
de se criar um problema maior e mais grave, com a retenção de diversos trens, o centro de controle
operacional tomou a decisão, em caráter absolutamente excepcional, de autorizar a passagem do trem”,
afirmou a Supervia. O secretário de transportes se disse indignado e prometeu punir a concessionária.
Já tinha acontecido em 2010, quando fiscais foram filmados chicoteando passageiros. O teólogo Marco
Bonelli disse ao jornal O Globo que o caso retrata uma “sociedade violenta, na qual o ser humano morre,
mas o sistema de transporte não pode parar”. Ao mesmo tempo, achamos normal que o tráfego seja
interrompido para a passagem de autoridades. Na música Construção, Chico Buarque conta a história de
um operário que “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”. Adílio teve azar duas vezes. Foi atingido
pelo trem e morreu no horário de pico.
(Adaptado de: FRANCO, B. M. Morreu no horário de pico. Folha de S. Paulo. 2 ago. 2015. Opinião. A4.)
Em relação ao fragmento “sociedade violenta, na qual o ser humano morre, mas o sistema de transporte
não pode parar”, assinale a alternativa que apresenta, corretamente, a ideia expressa pelo termo “mas”.