O Jornal do Commércio deu um brado esta semana
contra as casas que vendem drogas para curar a gente,
acusando-as de as vender para outros fins menos
humanos. Citou os envenenamentos que tem havido
na cidade, mas esqueceu de dizer, ou não acentuou
bem, que são produzidos por engano das pessoas que
manipulam os remédios. Um pouco mais de cuidado,
um pouco menos de distração ou de ignorância, evitarão
males futuros. Mas todo ofício tem uma aprendizagem, e
não há benefício humano que não custe mais ou menos
duras agonias. Cães, coelhos e outros animais são
vítimas de estudos que lhes não aproveitam, e sim aos
homens; por que não serão alguns destes, vítimas do
que há de aproveitar aos contemporâneos e vindouros?
Há um argumento que desfaz em parte todos esses
ataques às boticas; é que o homem é em si mesmo um
laboratório. Que fundamento jurídico haverá para impedir
que eu manipule e venda duas drogas perigosas? Se elas
matarem, o prejudicado que exija de mim a indenização
que entender; se não matarem, nem curarem, é um
acidente e um bom acidente, porque a vida fica.
ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1967 (fragmento).
No gênero crônica, Machado de Assis legou inestimável
contribuição para o conhecimento do contexto social
de seu tempo e seus hábitos culturais. O fragmento
destacado comprova que o escritor avalia o(a)