SóProvas


ID
2664589
Banca
FCC
Órgão
ALESE
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      Não faz muito tempo, fui assistir à ópera "As Bodas de Figaro", de Mozart. Lá para o final, o personagem mais importante, Fígaro, faz um retrato cruel das mulheres. Diz: "Abram um pouco os olhos, homens incautos e bobos. Olhem essas mulheres, olhem o que elas são". Segue enumerando: "São bruxas que enfeitiçam para nos deixar sofrendo... São rosas espinhosas, raposas maliciosas, mestras de engano e de angústias, que fingem e mentem, que amor não sentem, não sentem piedade".

      No século 18, quando essa ópera foi composta, a sala toda ficava iluminada. Não se deixava o público no escuro, como hoje. Os cantores podiam então interpelar diretamente a assistência. Na montagem que vi, o diretor de cena teve a ideia de acender as luzes da sala durante a ária de Fígaro, que saiu do palco e dirigiu-se diretamente aos homens presentes.

      Quando ele passava pelo corredor entre o público, uma senhora furiosa levantou-se. Fez o sinal de "não" nas fuças do pobre cantor e retirou-se protestando em voz alta. De início, pensei que fosse parte do espetáculo - hoje em dia, com as montagens modernas, tudo é possível. Mas não, era uma feminista embravecida.

      Ela poderia ter prestado mais atenção. O tema nuclear de "As Bodas de Fígaro" é atual: trata-se de desmascarar, denunciar e punir um poderoso aristocrata que é violento predador sexual.

      Aquela senhora não deu tempo para a conclusão da ópera, não chegou a ver a condenação do conde brutal. Tal suscetibilidade, irritada pela situação em que, injustamente, as mulheres são mantidas em nossas sociedades, é compreensível. Levou-a a partir antes que as acusações de Fígaro contra o gênero feminino fossem desmentidas. Indignou -se cedo demais.

      Indignação: eis o problema. Nunca tive simpatia por essa palavra. Pressupõe cólera e desprezo. Quando estamos sozinhos, a indignação nos embriaga como se fosse uma droga. Arrebata a alma, enfurece as vísceras, dilata os pulmões e nos faz acreditar na veemência do nosso ódio. Viramos heróis justiceiros diante de nós mesmos.

      A solidão indignada faz grandes discursos interiores contra aquilo que erigimos como inimigo. Serve para dar boa consciência. É autossatisfatória. Um prazer solitário. Exaltados, arquitetamos vinganças e reparações. Depois, o balão murcha, sobrando apenas nossa miserável impotência.

      Ao se manifestar na presença de outra pessoa, ou de duas, ou num pequeno grupo, a indignação leva ao descontrole. Nervosos, falamos alto e dizemos coisas que, na calma, jamais pronunciaríamos.

      Quando um de seus heróis se deixa levar pelos discursos coléricos, Homero faz alguém sempre repreender: "Que palavras ultrapassaram a barreira de teus dentes!". Porque não somos mais nós que falamos, mas algo que está em nós e que ocupou nosso corpo esvaziado de qualquer poder reflexivo: a indignação. Assim também ocorre com os jorros furibundos de palavras que inundam as redes sociais.

      A multidão indignada é, por sua vez, uma catástrofe. Tomada por um furacão de pulsões, ela atropela, esmaga, lincha. A indignação trava as forças racionais. Alimentada pelas paixões, usa uma aparência de razão como fole para soprar nas brasas. Está claro, aceita só argumentos que servem a reforçar e ampliar seu domínio. É feita de radicalismos.

Obs. ária: parte de uma ópera executada por voz solista.

                (Adaptado de: COLI, Jorge. Folha de S.Paulo, 4 de fevereiro de 2018, A2)

O título adequado ao texto acima, por indicar o seu tema central, é

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: C

    "Indignação: eis o problema. Nunca tive simpatia por essa palavra. Pressupõe cólera e desprezo. Quando estamos sozinhos, a indignação nos embriaga como se fosse uma droga. Arrebata a alma, enfurece as vísceras, dilata os pulmões e nos faz acreditar na veemência do nosso ódio. Viramos heróis justiceiros diante de nós mesmos.

    A solidão indignada faz grandes discursos interiores contra aquilo que erigimos como inimigo. Serve para dar boa consciência. É autossatisfatória. Um prazer solitário. Exaltados, arquitetamos vinganças e reparações. Depois, o balão murcha, sobrando apenas nossa miserável impotência."

  • "Gabarito C"

     

    Complementando a ISABELA...

     

    Conforme a afirmação do texto:

    "Indignação: eis o problema. Nunca tive simpatia por essa palavra. Pressupõe cólera e desprezo. Quando estamos sozinhos, a indignação nos embriaga como se fosse uma droga. Arrebata a alma, enfurece as vísceras, dilata os pulmões e nos faz acreditar na veemência do nosso ódio

     

    ** Ao analisar tal afimativa do texto é possivel perceber que o principal problema é a INDIGNAÇÂO que é provocada pela SOLIDÃO, além disso, o texto gira em torno desse fato (indignação).

     

     

    Senhor nos ajude, pois nada é fácil. Força, bons estudos!

     

  • Essa foi subjetiva ao extremo, mas olhando o cargo e a distribuição de questões é compreensível a dificuldade. De 60 questões, ter 38 só de Português...

  • MISERICÓRDIA SENHORA FCC, 

    QUE NA MINHA PROVA NÃO CAIA UMA COISA DESSAS

    TENHA DÓ DI NÓIS PFVR

  • Relaxa. Interpretação de texto é sempre mais complicado pra Taquígrafo!

  • Indignada tô eu com essa questão.

  • Discordo que a indignação pressuponha cólera e desprezo. A indignação pressupõe dignidade, a qual é a referência maior. Porém compreendo o ponto do Jorge Coli. 
    Mais um texto excelente que a FCC me traz em provas!

  • Essa prova está surreal. Já encontrei 3 questões erradas (tenho certeza que estão!).

    Ai me vem essa questão absurda, subjetiva, com 3 possíveis respostas! 

    É revoltante para quem estuda! 

    Letra C foi minha última opção, até porque se indignar pode ser solitário, mas não chega a ser um prazer!

  • Questão subjetiva??? Sem mimimi, sem preguiça de voltar no texto pessoal! 

     

         """ A solidão indignada faz grandes discursos interiores contra aquilo que erigimos como inimigo. Serve para dar boa consciência. É autossatisfatória. Um prazer solitário. Exaltados, arquitetamos vinganças e reparações. Depois, o balão murcha, sobrando apenas nossa miserável impotência.""""

  • Um minuto de silêncio pra essa questão

     

     

     

     

    gabarito C acreditem.

  • Resposta: Letra C - Um prazer solitário. Justificativa: Apenas o examinador sentiu prazer nessa questão.

  •  'Um prazer solitário', kkkk nada a ver. mas tudo bem,

    só por isso  ''A solidão indignada faz grandes discursos interiores contra aquilo que erigimos como inimigo. Serve para dar boa consciência. É autossatisfatória. Um prazer solitário''.

    Tudo bem então, da próxima vez vou tentar adivinhar!

  • HARD!!!

  • Sem mimimi colegas, com todo respeito. O examinador não escolheu a alternativa C por vontade própria muito menos era necessário poder de adivinhação para acertar como nossos nobres colegas opinaram. Tudo que você precisava era saber diferenciar a ideia central da ideia acessória ou ilustrativa do texto.


    O uso da ópera foi um artifício para ilustrar o ponto central: a indignação causada pela solidão que é um prazer solitário.

    A ópera de Mozart não era o ponto principal e sim um acessório ilustrativo para corroborar com o sentido do texto, por isso, automaticamente, as alternativas A B D e E são descartadas (pois elas tratam da ópera como tema central).

    Com essa linha de pensamento simples a questão se torna fácil, desde que você saiba diferenciar qual a intenção real do texto. (Os parágrafos 1 a 3 contam a história da ópera, os parágrafos 4 e 5 fazem o link do que ocorreu com a indignação fazendo a ponte coesiva com o parágrafo 6 que traz o ponto central e que deve ser a ideia sintetizada em um possível título para o texto).


    Só resumindo:

    Ideia central --> A indignação e como ela afeta negativamente as decisões. (Leia novamente o enunciado, por gentileza)

    Ideia acessória --> A ilustração da ópera de Mozart. (Note como 4 das 5 alternativas trazem a ideia acessória como tema central priorizando o candidato que soube diferenciar isso)

  • Defender gabarito depois de postado é fácil. Questão subjetiva ao extremo, a banca dá o gabarito que quiser.

  • Difícil, mas excelente questão!