SóProvas


ID
2689894
Banca
FUMARC
Órgão
CEMIG - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto II

                                               Razões da pós-modernidade

        Carlos Alberto Sanches, professor, perito e consultor em Redação – [31/03/2014- 21h06]


    Foi nos anos 60 que surgiu o que se chama de “pós-modernidade”, na abalizada opinião de Frederic Jameson, como “uma lógica cultural” do capitalismo tardio, filho bastardo do liberalismo dos séculos 18 e 19. O tema é controverso, pois está associado a uma discussão sobre sua emergência funesta no pós-guerra. É que ocorre nesse período um profundo desencanto no homem contemporâneo, especialmente no que toca à diluição e abalo de seus valores axiológicos, como verdade, razão, legitimidade, universalidade, sujeito e progresso etc. Os sonhos se esvaneceram, juntamente com os valores e alicerces da vida: a “estética”, a “ética” e a “ciência”, e as repercussões que isso provocou na produção cultural: literatura, arte, filosofia, arquitetura, economia, moral etc.

    Há, sem dúvida, uma crise cultural que desemboca, talvez, em uma crise de modernidade. Ou a constatação de que, rompida a modernidade, destroçada por guerras devastadoras, produto da “gaia ciência” libertadora, leva a outra ruptura: morreu a pós-modernidade e deixou órfã a cultura contemporânea?

    Seria o caso de se falar em posteridade na pós-modernidade? Max Weber, já no início do século 19, menciona a chegada da modernidade trocada pela “racionalização intelectualista”, que produz o “desencanto do mundo”. Habermas o reinterpreta, dizendo que a civilização se desagrega, especialmente no que toca aos conceitos da verdade, da coerência das leis, da autenticidade do belo, ou seja, como questões de conhecimento...

    Jean Francois Lyotard, em seu livro A condição pós-moderna, de 1979, enfoca a legitimação do conhecimento na cultura contemporânea. Para ele, “o pós-moderno enquanto condição de cultura, nesta era pós-industrial, é marcado pela incredulidade face ao metadiscurso filosófico – metafísico, com suas pretensões atemporais e universalizantes”. É como se disséssemos, fazendo coro, mais tarde, com John Lennon, que “o sonho acabou” (ego trip). A razão, como ponto nevrálgico da cultura moderna, não leva a nada, a não ser à certeza de que o racionalismo iluminista, que vai entronizar a ciência como uma mola propulsora para a criação de uma sociedade justa, valorizadora do indivíduo, vai apenas produzir o desencanto, via progresso e com as suas descobertas, cantadas em prosa e verso, que nos deixaram um legado brutal: as grandes tragédias do século 20: guerras atrozes, a bomba atômica, crise ecológica, a corrida armamentista...

   A frustração é enorme, porque o iluminismo afirmara que somente as luzes da razão poderiam colocar o homem como gerador de sua história. Mas tudo não passou de um sonho, um sonho de verão (parodiando Shakespeare). Habermas coloca nessa época, o século 18, o gatilho que vai acionar essa desilusão da pós-modernidade. A ciência prometia dar segurança ao homem e lhe deu mais desgraças. Entendamos aqui também a racionalidade (o primado da razão cartesiana) como cúmplice dessa falcatrua da modernidade e, portanto, da atual pós-modernidade. 

   O mesmo filósofo fala em “desastre da modernidade”, um tipo de doença que produziu uma patologia social chamada de “império da ciência”, despótico e tirânico, que “digere” as esferas estético-expressivas e as religiosas-morais. Harvey põe o dedo na ferida ao dizer que o projeto do Iluminismo já era, na origem, uma “patranha”, na medida em que disparava um discurso redentor para o homem com as luzes da razão, em troca da lenta e gradual perda de sua liberdade. 

   A partir dos anos 50 e, ocorrido agora o definitivo desencanto com a ciência e suas tragédias (algumas delas), pode-se falar em um processo de sua desaceleração. O nosso futuro virou uma incerteza. A razão, além de não nos responder às grandes questões que prometeu responder, engendra novas e terríveis perguntas, que chegam até hoje, vagando sobre a incerteza de nossos precários destinos. Eu falaria, metaforicamente, do homem moderno acorrentado (o Prometeu) ao consumo desenfreado de coisas (res) para compensar suas frustrações e angústias. A vida se tornou absurda e difícil de ser vivida, face a esse “mal-estar” do homem ocidental. Daí surgem as grandes doenças psicossociais de hoje: a frustração, o relativismo e o niilismo, cujas sementes já estavam no bojo do Iluminismo, a face sinistra de sua moeda. Não há mais nenhuma certeza, porque a razão não foi capaz de dar ao homem alguns dos mais gratos dos bens: sua segurança e bem-estar. Não há mais certezas, apenas a percepção de que é preciso repensar criticamente a ciência, que nunca nos ofereceu um caminho para a felicidade, o que provoca um forte movimento de busca de liberdade. O mundo está sem ordem e valores, como disse Dostoievski: “Se Deus não existe, tudo é permitido”.

   A incerteza do mundo moderno e a impossibilidade de organizar nossas vidas levam Giddens a dizer que “não há nada de misterioso no surgimento dos fundamentalismos, a radicalização para as angústias do homem”. Restou-nos o refúgio nos grandes espetáculos, como os do Coliseu antigo: o pão e o circo, para preencher o vazio da vida.  

  Na sua esteira de satanização social, o capitalismo engendra, então, a sociedade de consumo, para levar o cidadão ao ópio do consumo (esquecer-se das desilusões) nas “estações orbitais” dos shoppings, ou templos das compras, onde os bens nos consomem e a produção, sempre crescente, implica a criação em massa (ou em série) de novos consumidores. Temos uma parafernália de bens, mas são em sua maioria coisas inúteis, que a razão / ciência nos deu; mas, em troca, sofremos dos males do século, entre eles a elisão de nossa individualidade. Foi uma troca desvantajosa. É o que Campbell chama do sonho que gera o “signo-mercadoria”, que nos remete ao antigo sonho do Romantismo, da realização dos ideais.

   Trocamos o orgasmo reprodutor instintivo pelo prazer lúdico-frenético de consumir, sem saber que somos consumidos. Gememos de prazer ao comprar, mas choramos de dor face à nossa solidão, cercados pela panaceia da ciência e da razão, que nos entope de placebos, mas não de remédios para a cura dos males dessa longínqua luz racional, que se acende lá no Iluminismo e que vem, sob outras formas, até hoje. A televisão nos anestesia com a estética da imagem. Para Baudrillard, ela é o nosso mundo, como o mundo saído da tela do grande filme O Vidiota (o alienado no mundo virtual da tevê), cujo magistral intérprete foi Peter Sellers.

   Enquanto nos deleitamos com essa vida esquizofrênica e lúdica, deixamos no caixa do capitalismo tardio (iluminista / racional) o nosso mais precioso bem: a individualidade. Só nos sobrou a estética, segundo Jameson, ou a “colonização pela estética” que afeta diferentes aspectos da cultura, como a estética, a ética, a teórica, além da moral política.

  A pós-modernidade talvez seja uma reação a esse quadro desolador. Bauman fala em pós-modernidade como a forma atual da modernidade longínqua. Já Giddens fala em modernidade tardia ou “modernidade radicalizada”: a cultura atual. Por certo que a atual discussão sobre o pós-moderno implica um processo de revisão e questionamento desse estado de coisas, em que o homem não passa de um res nulius, como as matronas romanas.
  
A cultura moderna, ou pós-modernista, não tem uma razão para produzir sua autocrítica, mas muitas razões, devido à sua prolongada irracionalidade do “modo de vida global”, segundo Jameson. O que se pode dizer é que não há uma razão, mas muitas razões para reordenar criticamente os descaminhos da pós-modernidade, sem esquecermos que a irracionalidade continua nos rondando.

 

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/razoes-da-pos-modernidade8bs4bc7sv5e06z8trfk0pv80e. Acesso em 21/01/18. 

Atente para a indicação de recursos estilísticos utilizados pelo autor do texto II:

I – “A cultura moderna, ou pós-modernista, não tem uma razão para produzir sua autocrítica, mas muitas razões...”. ➔ Metonímia

II – “Restou-nos o refúgio nos grandes espetáculos, como os do Coliseu antigo: o pão e o circo, para preencher o vazio da vida.”  Comparação

III – “A televisão nos anestesia com a estética da imagem. Para Baudrillard, ela é o nosso mundo.”  Metáfora

IV – “O tema é controverso, pois está associado a uma discussão sobre sua emergência funesta no pós-guerra.”  Hipérbato


Verifica-se que foram corretamente indicadas as figuras de linguagem presentes em:

Alternativas
Comentários
  • fiz por eliminação. pois o ítem IV é híperbato. Assim sendo, a frase:
    IV – “O tema é controverso, pois está associado a uma discussão sobre sua emergência funesta no pós-guerra.” 
    está na ordem direta: Sujeito---Verbo--Complemento.
    Não há aqui termos deslocados na sentença.

  • GABARITO LETRA A.

     

    HIBERBATO: transposição ou inversão da ordem natural das palavras de uma oração, para efeito estilístico, da qual resulta a separação entre elementos que constituem um sintagma, pela intercalação com outros elementos pertencentes a outro sintagma (p.ex.: aquela que me arruinou mulher por aquela mulher que me arruinou ).

     

    FONTE: WIKIPEDIA

  • Consegui acertar por eleminação, mas não seria sinestesia essa? Pois anestesia vc sente e imagem vc vê.

     

    “A televisão nos anestesia com a estética da imagem. Para Baudrillard, ela é o nosso mundo.”

  • nada de metonímia na frase um, mas..... segue o jogo

  • HIPÉRBATO=ÍNVERSÃO SINTÁTICA DE EFEITO EXPRESSIVO.

    NÃO OCORRE NA ASSERTIVA (IV)

    GAB: A

  • Onde está a metonímia da frase 1 ????

  • Se alguém conseguiu identificar a metonímia na frase I, me manda ai por msg por favor! Agradeço desde já..

  • Substituiu cultura atual por cultura moderna. 

  • Não seria a metonimia: 

    A cultura moderna, ou cultura pós-modernista 
    Só vi essa possibilidade. 

  • HIPERBALO > EXAGERO

    HIPERBATO > INVERSÃO DA ORDEM SINTÁTICA.

    METÁFORA> COMPARAÇÃO IMPLÍCITA.

    COMPARAÇÃO> FEITA POR MEIO DE CONECTOR. 

    METONÍMIA> SUBSTITUIÇÃO DE UM TERMO POR OUTRO RELACIONADO.

  • Sabe onde está a metonímia da I) .... ?


    Na maconha que ele fumou !!! rsrsrsr

  • Sabe onde está a metonímia da I) .... ?


    Na maconha que ele fumou !!! rsrsrsr

  • Já não sou boa em figuras de linguagem e ainda vem uma questão dessa.


    Alguém explica a Metonímia, por gentileza.

  • Um pouco confusa a questão, mas é assim! Adiante com o gabarito (A). 

  • Metonimia:

    figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado. relação metonímica de tipo qualitativo (causa, efeito, esfera etc.): matéria por objeto: ouro por 'dinheiro'; pessoa por coisa; autor por obra: adora Portinari por 'a obra de Portinari'; divindade: esfera de suas funções; proprietário por propriedade: vamos hoje ao Venâncio por 'ao restaurante do Venâncio'; morador por morada; continente pelo conteúdo: bebeu uma garrafa de aguardente por 'a aguardente de uma garrafa'; consequência pela causa: respeite os meus cabelos brancos por 'a minha velhice'; a qualidade pelo qualificado: praticar a caridade por 'atos de caridade' etc.

    Fonte dicionário: https://www.google.com/search?q=metonimia&ie=utf-8&oe=utf-8&client=firefox-b-ab


    “A cultura moderna, ou pós-modernista, não tem uma razão para produzir sua autocrítica, mas muitas razões...”

    Substituição de um termo por outro.

  • SOBRE A "I"


    I – “A cultura moderna, ou cultura pós-modernista, não tem uma razão para produzir sua autocrítica, mas muitas razões...”. ➔ Metonímia


    Acredito que seja isso.

  • Só acertei pq fui por eliminação ...

  • Não tem metonímia na 1 não... Quem fez essa questão tomou um Toddynho quente sem agitar.

  • Sobre a alternativa I

    Ao meu ver os termos "A cultura moderna, ou pós modernista," são os termos que foram usados para substituir outros. Todos os fatos que aconteceram naquela época que caracterizaram a cultura moderna foram sintetizados e substituídos pelas expressões "A cultura moderna, ou pós modernista,"

    GABARITO A

  • A metonímia da primeira está na substituição da época pelas pessoas [autores, pintores,escritórios] pois a cultura moderna não tem como produzir autocríticas, mas as pessoas da época podem!

  • Gabarito letra A. A titulo de esclarecimento veja se:

     

    METONÍMIA–baseia-senasubstituiçãodeumtermoporoutro,quandoexisteproximidadesemânticaentreeles.
    a)Substituiçãodaobrapeloautor:“VerumPortinari”,emvezde“VerumquadrodePortinari”.
    b)Substituiçãodoconteúdopelocontinente:“Tomarumcopod'água”,emvezde“Tomaraáguaqueestánocopo”.
    c)Substituiçãodapartepelotodo:“Obondepassacheiodepernas/pernasbrancaspretasamarelas”,emvezde“Obondepassacheiodepessoasdetodasasetnias”.
    d)Substituiçãodacausapeloefeito:“Vivodosuordomeurosto”,emvezde“Vivodomeutrabalho”. ( Fonte Q Concursos aulas professora Izabel.)

  • https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/portugues/o-que-e-metonimia.htm. Acesso em 13 de julho de 2019.

  • TENTANDO justificar a letra A, talvez a banca tenha considerado que a SUBSTITUIÇÃO de um termo por outro seria na parte que ele fala "não tem UMA razão (...), mas MUITAS razões"

    "A cultura moderna, ou pós-modernista, não tem uma razão para produzir sua autocrítica, mas muitas razões"

    Eu não concordo, acho que na verdade não tem figura de linguagem nesse trecho, somente um "adversidade" pelo "mas", mas segue o jogo...

  • A 1 é prosopopéia, visto que cultura não produz autocritica (é um elemento que somente os seres humanos fazem)

    Achei muito sem noção.

  • Galera, acertei por eliminação. Poderia ter errado, entretanto não há metonímia alguma na I

  • A cultura moderna- metonímia= substitui a palavra modernidade, troca a parte pelo todo.

  • Gabarito: A

    Hipérbato ⇝ Inversão sintática.

    Hipérbole ⇝ Exagero em uma ideia/sentença.

    Metonímia ⇝ Substituição por aproximação.

    Provavelmente a banca considerou metonímia ser ''sinônimo'' cultura moderna ou pós-modernista.

  • meu comentario pode agregar : se a pessoa não tem muita base em figura de linguagem mas por eliminação ja tiraria a opção 3 porque a frase não tem nada haver com metafora " metafora é dar apelido as coisas Ex : Castro alves é o poeta dos escravos , amazonia é o pulmão do mundo , dessa forma eliminando a opão 3 ja acharia a questao correta , só pra titulo de analise mesmo .

  • Estilística

    Figuras de Linguagem

    ELIPSE - Omissão de termo facilmente identificável.

    ZEUGMA - Omissão de termo para evitar repetição.

    PLEONASMO - Repetição de termo para reforço de expressão.

    POLISSÍNDETO - Repetição de conjunções.

    ASSÍNDETO - Supressão de conjunção.

    REPETIÇÃO OU ITERAÇÃO - Repetição de um termo (não só da conjunção).

    ANÁFORA - Repetição de um termo no início dos versos.

    ALITERAÇÃO - Repetição de um som consonantal.

    ONOMATOPEIA - Imitação de um som.

    HIBÉRBATO OU INVERSÃO - Inversão da ordem natural das palavras ou das orações no período.

    ANÁSTROFE - Inversão mais leve.

    ANACOLUTO - Interrupção do esquema sintático da oração, que termina por outro.

    SILEPSE - Concordância ideológica. (concordância com ideias subentendidas no texto)

    -> pode ser de pessoa, gênero e número.

    Figuras de palavras

    METONÍMIA - Troca de uma palavra por outra familiar, com relação de sentido.

    SINÉDOQUE - Troca do todo pela parte; do plural pelo singular; objeto pelo material; espécie pelo gênero.

    ANTONOMÁSIA (PERÍFRASE) - Expressão utilizada em substituição a um nome de lugar, pessoa, época.

    SINESTESIA - Transferência de percepções de sentidos.

    Figuras de Pensamento

    ANTÍTESE - Palavras, pensamentos, expressões e ideias contrárias.

    PERSONIFICAÇÃO OU PROSOPOPEIA - Atribuição de características humanas aos demais seres vivos.

    PARADOXO - Aproximação de ideias contrárias com quebra de lógica.

    EUFEMISMO - Abrandamento de uma mensagem substituindo palavras por outras menos desagradáveis.

    HIPÉRBOLE - Exagero de expressão.

    IRONIA - Uso de palavras e expressões contrárias ao que se pretende dizer.

    GRADAÇÃO - Apresentação de ideias em progressão.

    APÓSTROFE - Interrupção feita pelo orador para invocar coisa real, divina ou fictícia.