Inicialmente, cumpre observar o conceito da interceptação telefônica: consiste na captação da comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores.
Trata-se de medida cautelar
inaudita altera pars, cuja decretação prescinde de prévia oitiva do investigado. De modo a se preservar a própria eficácia da diligência, o investigado/acusado e seu defensor não podem tomar conhecimento da circunstância de estar em curso uma interceptação.
Vamos ao comentário das alternativas. A questão poderia ser respondida apenas com a letra da lei, pois não foi cobrado qualquer entendimento doutrinário ou jurisprudencial sobre a temática.
A. Incorreta, em razão do que dispõe a Lei de Interceptações Telefônicas. O art. 3º da Lei nº 9.296/96 afirma que:
“(...)
poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I – da autoridade policial, na investigação criminal;
II – do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual.
"
De fato, o
parquet poderá fazer requerimento pela realização da interceptação telefônica tanto na investigação criminal quanto na instrução processual, em detrimento da autoridade policial que apenas poderá realizar durante a investigação criminal.
Aprofundando para uma possível segunda fase ou oral:
Importante questionamento se refere à possibilidade de o magistrado determinar de ofício a interceptação telefônica. Inclusive, importa registrar que foi ajuizada pelo PGR uma ADI (ADI nº 3.450) em face do art. 3º da Lei nº. 9.9296/96, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do referido dispositivo, excluindo a interpretação que autoriza a determinação de ofício pelo juiz da interceptação telefônica, na fase pré-processual.
A ADI Nº 3.450, distribuída em 31/03/2005, havia sido incluída no calendário de julgamento pelo Presidente em 17/12/2019. Ocorre que, posteriormente, foi excluído do calendário de julgamento em 18/03/2020.
Assim, ainda não se tem uma definição pelo STF acerca desta ADI.
Por isso, continua valendo a disposição da lei que autoriza a concessão de ofício pelo magistrado.
Críticas ao artigo:
Parte da doutrina critica esta previsão, afirmando que a possibilidade de o magistrado atuar de ofício na fase pré-processual representaria uma clara e evidente afronta ao sistema acusatório adotado pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal, violando também a imparcialidade do magistrado.
Renato Brasileiro afirma que: “
Destoa das funções do magistrado exercer qualquer atividade de ofício na fase investigatória, sob pena de auxiliar a acusação na colheita de elementos de informação que irão servir ao titular da ação penal para provocar a jurisdição. A iniciativa da interceptação pelo juiz também representa usurpação à atribuição investigatória do Ministério Público e da Polícia Judiciária".
Sobre a atuação de ofício no processo já em curso:
Em nome do poder geral de cautela, busca da verdade real e em razão da própria atividade jurisdicional, parece existir um consenso na doutrina pela possibilidade. Contudo, uma vez em curso o processo, a autoridade judiciária passa a deter poderes inerentes ao próprio exercício da função jurisdicional, razão pela qual, nessa fase, é possível que determine a interceptação de ofício, seja por força do princípio da busca da verdade real, seja pela própria adoção do sistema do livre convencimento motivado. Assim, visualizando a necessidade da decretação da medida, não se pode privar o magistrado de importante instrumento para assegurar o melhor acertamento dos fatos delituosos submetidos em julgamento.
As alternativas B, C e D podem ser respondidas com a análise de um único artigo da Lei nº 9.9296/96 e, por essa razão, serão analisadas conjuntamente.
B. Incorreta. Não se admite interceptação telefônica para investigar qualquer tipo de infração penal. Vide art. 2º da Lei nº. 9.296/96, mais precisamente o inciso III (o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção).
Por meio desta vedação legal, o legislador estipulou que apenas infrações punidas com reclusão poderão ser objeto de interceptação telefônica para obtenção das suas provas. Pouco importa se o delito está previsto no CP ou na legislação especial, bem como se a ação penal é pública ou privada, basta que seja cominada pena de reclusão.
Crítica para uma eventual segunda fase ou oral:
A opção legislativa acaba deixando de fora do âmbito de incidência da Lei nº 9.296/96 infrações penais em relação às quais a interceptação telefônica poderia funcionar como importante meio de obtenção de provas (como por exemplo a contravenção do jogo do bicho, crimes de ameaça ou injúria praticados por telefone).
Porém, nada impede que durante a interceptação telefônica se tome conhecimento de crimes punidos com pena de detenção.
Essas provas serão legítimas, conforme o
entendimento do
STJ
exposto na aba Jurisprudência em Teses:
6) É legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica para apuração de delito punido com detenção, se conexo com outro crime apenado com reclusão.
E também do STF:
É possível a interceptação telefônica somente para os crimes punidos com pena de RECLUSÃO. Todavia, se tiver algum crime punido com pena de DETENÇÃO, conexo com crime de reclusão, poderá ser permitida a interceptação (STF, HC 83515/RS).
O STF, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção.
(STF, 2ª. T. AI 626214 AgR, Min. Rel. Joaquim Barbosa, j. 21/09/2010).
Como se denomina esse encontro fortuito de provas?
É o fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação.
A serendipidade (tradução literal da palavra inglesa
serendipity), também é conhecida como “descoberta casual" ou “encontro fortuito".
Para Luiz Flávio Gomes, “
serendipidade é o ato de fazer descobertas relevantes ao acaso, em forma de aparentes coincidências. De acordo com o dicionário Houaiss, a palavra vem do inglês serendipity: descobrir coisas por acaso."
C. CORRETA. De fato, conforme o art. 2º, inciso I, da Lei de Interceptação Telefônica, não será admitida a interceptação caso não existam indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal.
A razão de ser dessa exigência é que a interceptação telefônica possui natureza cautelar e a sua admissibilidade está condicionada à presença dos elementos das cautelares, quais sejam: o
fumus comissi delicti e do periculum in mora - que correspondem respectivamente à comprovação da existência de um crime e de indícios suficientes de autoria, e ao risco que o criminoso em liberdade pode criar para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal e para a aplicação da lei penal.
D. Incorreta, também com base no que preleciona o art. 2º, inciso II, da Lei: "
a prova puder ser feita por outros meios disponíveis".
A interceptação telefônica possui caráter subsidiário e isso se deve ao fato de que é uma exceção a direitos constitucionalmente previstos, como o direito à intimidade e à inviolabilidade das comunicações telefônicas. Além disso, ainda há o amparo constitucional no art. 5º, XII, da CF.
JURISP.:
- A subsidiariedade da interceptação telefônica traz a ideia de que será a última opção. Sendo medida que restringe direitos fundamentais, o Poder Público deve optar pela medida menos gravosa.
Esse é o entendimento do STJ, no site Jurisprudência em Teses:
5) A interceptação telefônica só será deferida quando não houver outros meios de prova disponíveis à época na qual a medida invasiva foi requerida, sendo ônus da defesa demonstrar violação ao disposto no art. 2º, inciso II, da Lei n. 9. 296/1996.
- Esse também é o entendimento do STF e que se coaduna com a legislação já mencionada.
A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só podendo ser determinada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por criminosos, nos termos do art. 2º, inc. II, da Lei nº 9.296/1996.
Desse modo, é ilegal que a interceptação telefônica seja determinada apenas com base em “denúncia anônima".
STF. Segunda Turma. HC 108147/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, 11/12/2012.
O julgado acima colacionado trata da hipótese de interceptação telefônica baseada tão somente em “denúncia anônima".
- A jurisprudência pacífica do STF e do STJ entende que é ilegal que a interceptação telefônica seja determinada apenas com base em “denúncia anônima" (
rectius: “delação apócrifa").
Veja:
(...)
4. A jurisprudência desta Corte tem prestigiado a utilização de notícia anônima como elemento desencadeador de procedimentos preliminares de averiguação,
repelindo-a, contudo, como fundamento propulsor à imediata instauração de inquérito policial ou à autorização de medida de interceptação telefônica.
5. (...) tornar harmônicos valores constitucionais de tamanha envergadura, a saber, a proteção contra o anonimato e a supremacia do interesse e segurança pública,
é admitir a denúncia anônima em tema de persecução penal, desde que com reservas, ou seja, tomadas medidas efetivas e prévias pelos órgãos de investigação no sentido de se colherem elementos e informações que confirmem a plausibilidade das acusações.
6. Na versão dos autos, algumas pessoas - não se sabe quantas ou quais - compareceram perante investigadores de uma Delegacia de Polícia e, pedindo para que seus nomes não fossem identificados, passaram a narrar o suposto envolvimento de alguém em crime de lavagem de dinheiro. Sem indicarem, sequer, o nome do delatado, os noticiantes limitaram-se a apontar o número de um celular.
8. (...) a medida restritiva do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações telefônicas encontra-se maculada de
nulidade absoluta desde a sua origem, visto que partiu unicamente de notícia anônima.
9. (...) admitir a interceptação telefônica, por decisão judicial, nas hipóteses em que houver indícios razoáveis de autoria criminosa. Singela delação não pode gerar, só por si, a quebra do sigilo das comunicações. Adoção da medida mais gravosa sem suficiente juízo de necessidade. (...)
Logo, se a autoridade policial ou o Ministério Público recebe uma “denúncia anônima" (“delação apócrifa") contra determinada pessoa, não é possível que seja requerida, de imediato, a interceptação telefônica do suspeito. Isso seria uma grave interferência na esfera privada da pessoa, sem que houvesse justificativa idônea para isso.
É possível instaurar investigação com base em “denúncia anônima"?
A “denúncia anônima" pode ser validamente apurada pela autoridade policial. O que se veda é a decretação, apenas com base nisso, de interceptação telefônica.
Procedimento a ser adotada pela autoridade policial em caso de “denúncia anônima":
1) Realizar investigações preliminares para confirmar a credibilidade da “denúncia";
2) Sendo confirmada que a “denúncia anônima" possui credibilidade (aparência mínima de procedência), instaura-se inquérito policial;
3) Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá buscar outros meios de prova que não a interceptação telefônica (como visto, esta é a ultima ratio). Se houver indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá ser requerida a quebra do sigilo telefônico ao magistrado.
Resposta: ITEM C.