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ID
2755795
Banca
FGV
Órgão
TJ-SC
Ano
2018
Provas
Disciplina
Direito Civil
Assuntos

Gabriel era empregado caseiro do imóvel de praia de José Luiz, localizado no Balneário Camboriú. Após o falecimento de José Luiz, nenhum familiar se apresenta a Gabriel, que, embora demitido pelo inventariante do espólio de José Luiz, mantém-se no imóvel, cuidando dele como se seu fosse. Após dois anos do falecimento do ex-empregador e a realização de diversas benfeitorias para a manutenção do imóvel às suas expensas, Gabriel é surpreendido, ao retornar de um rápido passeio, com a ocupação do imóvel por sobrinhos de José Luiz, dizendo-se proprietários do bem.

Diante dessa situação, Gabriel:

Alternativas
Comentários
  • Com a morte de José Luiz (proprietário do imóvel), Gabriel foi demitido do emprego de caseiro, mas permaneceu no imóvel, agora como possuidor. Portanto, foi rompida sua situação anterior como detentor. Como já se passaram dois anos como possuidor, e realizando benfeitorias no imóvel, Gabriel somente poderia ser retirado do imóvel por meio de uma ação própria. Como foi desalojado pode se valer do chamado desforço imediato (ou direto) possessório, que é uma espécie de autotutela, para recuperar a posse perdida, empregando, para tanto, meios moderados, nos termos do art. 1.210, §1°, CC: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

    Gabarito: “D”.

  • Não era caso de detenção porque o proprietário morreu ou pq ele foi despedido do emprego?

  • De acordo com Maria Helena Diniz, o detentor (também denominado gestor da posse/detentor dependente/servidor da posse), tem a coisa apenas em virtude de uma situação de dependência econômica ou de um vículo da subordinação (o que ocorria normalmente até a demissão do caseiro). No caso em apreço, parece-me que houve uma transmutação da detenção em posse, a partir do momento em que o caseiro foi demitido pelo inventariante, rompendo-se a relação de subordinação (vínculo de dependência) que até então existia. Nesse sentido é a redação do Enunciado n. 301, do CJF/STJ: "É possível a conversão de detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios."

    Assim, mudando-se a natureza jurídica para a posse, ainda que de má-fé (já que o possuidor não ignora que possui indevidamente), pode o possuidor valer-se do imediato desforço possessório moderado para reaver, por autotutela, a posse (gabarito).

    O Superior Tribunal de Justiça, aliás, teve a oportunidade de reforçar o entendimento no julgamento do REsp Nº 1.188.937 - RS: DIREITOS REAIS. RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IGREJA. TEMPLO. PASTOR QUE SE DESFILIA DOS QUADROS DE OBREIROS DA RELIGIÃO. TRANSMUDAÇÃO DA DETENÇÃO EM POSSE. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. ESBULHO. EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE COMODATO. SÚM 7⁄STJ. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INOCORRÊNCIA. (...) 2. Na hipótese, o réu foi ordenado e designado para atuar na Comunidade Evangélica de Cachoerinha, na condição de pastor da IECLB, e justamente nessa qualidade é que se vinculava ao patrimônio da Igreja; isto é, exercia o controle sobre o imóvel em nome de outrem a quem estava subordinado, caracterizando-se como fâmulo da posse. 3. A partir do momento em que pleiteou o seu desligamento do quadro de pastores, continuando nas dependências do templo, deixando de seguir as ordens do legítimo possuidor, houve a transmudação de sua detenção em posse, justamente em razão da modificação nas circunstâncias de fato que vinculavam a sua pessoa à coisa. Assim, perdendo a condição de detentor e deixando de restituir o bem, exercendo a posse de forma contrária aos ditames do proprietário e possuidor originário, passou a cometer o ilícito possessório do esbulho, sobretudo ao privá-lo do poder de fato sobre o imóvel. 4. Desde quando se desligou da instituição recorrida, rompendo sua subordinação e convertendo a sua detenção em posse, fez-se possível, em tese, a ontagem do prazo para fins da usucapião - diante da mudança da natureza jurídica de sua apreensão. Precedente.

     

  • Questão maravilhosa! Essa sim mede conhecimento e exige atenção. GAB D

  • Tenho um dúvida nesta questão. Ao meu ver, a posse de Gabriel é injusta por precariedade. Nesse sentido, embora fosse possuidor, não teria legitimidade para a autotutela (assim como não teria legitimidade para propor ação possessória contra os proprietários). A questão, seguindo este raciocinio, não teria gabarito. O que vocês acham?

  • Fernanda, Nelson Rosenvald diferencia duas situações: a pessoa que era detentora e permanece no bem (é o caso da questão), situação em que ela tem direito à autotutela, pois essa posse não é precária. Outra situação é de quem tinha posse legítima, e depois se torna ilegítima. Aqui temos precariedade, e o esbulhado só poderá recorrer as ações possessórias. O autor só diz isso, mas não explica porque em um caso há precariedade e no outro, não.

  • pedala robinho nos moleques = uso moderado do desforço

  • Temos aqui um marco divisório: a demissão do caseiro. Antes de ser demitido, Gabriel era mero detentor, de acordo com o que dispõe o art. 1.198 do CC. Com a demissão, cessada a relação de dependência, Gabriel passa a ser possuidor e é nesse sentido o art. 1.204 do CC: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade". Em reforço, temos o Enunciado 301 do CJF: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios".

    Na qualidade de possuidor, Gabriel poderá se valer do § 1º do art. 1.210 do CC: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse".

    “Nos passos do art. 1.210, § 1º, do Código Civil, a legítima defesa da posse consiste na reação a uma turbação, pois, nessa situação, a agressão apenas incomoda a posse, não tendo sido dela o possuidor ainda privado. Já o desforço imediato é o remédio dirigido a um esbulho consumado, implicando defesa imediata à injusta perda da posse do autor" (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direitos Reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 182).

    Verifica-se que Gabriel sofreu esbulho, podendo se valer do desforço imediato. Passemos à análise das assertivas.   

    A) Conforme explicado acima, Gabriel poderá se valer do desforço imediato. Incorreta;

    B) Vimos que deixou de ser mero detentor e passou a ser possuidor no momento em que cessou a subordinação, ou seja, no momento em que foi demitido pelo inventariante do espólio. Incorreta;

    C) Já sabemos que que poderá reaver a posse por meio do desforço imediato. No que toca a boa-fé, ela tem previsão no art. 1.201 do CC: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa".
    “Enquanto a maior parte dos possuidores detém intenção de dono – mas sabem que não o são –, o possuidor com boa-fé incide em estado de erro, que gera nele a falsa percepção de ser o titular da propriedade (...). Por isso, com rara felicidade, Caio Mário conceitua a boa-fé como a “integração ética do justo título", pois reside na convicção do possuidor de que o fenômeno jurídico gerou a transmissão da propriedade“ (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direitos Reais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 363).
    Sendo o possuidor de boa-fé, sabemos que pelo art. 1.219 ele terá direito “(...) à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis". No caso de má-fé, dispõe o art. 1.220 que “(...) serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias". Incorreta;

    D) Trata-se do art. 1.210, § 1º do CC. Correta;

    E) Sendo de boa-fé a posse, o legislador prevê no art. 1.219 do CC a “(...) indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis". Caso seja de má-fé, aplicaremos o art. 1.220 do CC. Incorreta.

    Resposta: D 
  • Não entendo como alguém que foi demitido continua com "direito" de ser o detentor.

  • Temos aqui um marco divisório: a demissão do caseiro. Antes de ser demitido, Gabriel era mero detentor, de acordo com o que dispõe o art. 1.198 do CC. Com a demissão, cessada a relação de dependência, Gabriel passa a ser possuidor e é nesse sentido o art. 1.204 do CC: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade". Em reforço, temos o Enunciado 301 do CJF: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios". 

    Como possuidor, Gabriel poderá se valer do § 1º do art. 1.210 do CC: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse". 

    Resposta: D 

    Prof. Qconcursos.

  • Afinal, a posse do caseiro demitido é de boa-fé ou de má-fé?

    "Art. 1.201, CC. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa."

    O fato de o caseiro (possuidor) não ignorar que foi demitido (vício) não impede a aquisição da posse, tornando-a de má-fé?

    Pela jurisprudência do STJ trazida pelo colega, parece ser de má-fé, não?

    "Assim, perdendo a condição de detentor e deixando de restituir o bem, exercendo a posse de forma contrária aos ditames do proprietário e possuidor originário, passou a cometer o ilícito possessório do esbulho, sobretudo ao privá-lo do poder de fato sobre o imóvel." (REsp Nº 1.188.937 - RS)

    Pode o possuidor de má-fé valer-se do imediato desforço possessório para reaver a posse?

    Se alguém puder dar uma luz, agradeço.

  • Heitor,

    Também marquei errado, pq sempre associamos a posse como forma de aquisição da propriedade, o que nos confunde, mas vamos à explicação:

    A posse de má-fé é aquela em que o POSSUIDOR CONHECE O IMPEDIMENTO. Essa má-fé e boa-fé na relação possessória não é impedimento para a defesa da posse, mas sim para a aquisição da propriedade através da prova de posse por certo período de tempo (é aqui que a gente se confunde).

    Lembre-se que o possuidor, mesmo sabendo que não pode se tornar proprietário pode defender sua posse frente a outros invasores, ainda que tais invasores sejam os donos da coisa.

    O importante para se usar o DESFORÇO IMEDIATO é que o ato não demore muito a ser realizado.

    Veja:

    CC, Art. 1.210. O possuidor (não exige nenhum requisito, não precisa de boa-fé) tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

    § 1 O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo [...]

    Assim, é permitido desforço imediato se a vítima do esbulho agir imediatamente após a agressão ou logo que possa agir. Quem está ausente só perderá esse direito se não agir logo após tomar conhecimento da agressão à sua posse ou se ao tentar recuperá-la for violentamente impedido.

  • A melhor resposta foi a da Sara Rufato.

  • Questão excelente para visualizar de fato a proteção que o código civil oferece ao possuidor, ainda, que em face do proprietário (não adoção da exceptio proprietatis, art. 1.210 §2º).

    Leiam o comentário da Gabriela Mazzotti, simplesmente destrinchou a questão.

  • A partir do momento em que se deu a demissão o detentor sai desta condição para se tornar possuidor.

    Como conhecia o vício (posse de má-fé) e estava morando lá de forma injusta, por ser posse clandestina (convalidada após 1 ano e 1 dia - posse velha), ele poderá sim se utilizar do desforço imediato (que ocorreu APÓS esbulho) na tentativa de reavê-la.

  • ESSE TAL DE USUCAPIÃO É MUITO INJUSTO! Imagina tu emprestar um imóvel, de favor, e depois perdê-lo! Baita traição! Protege quem afinal ?

  • No final de todo o processo legal, quem tem realmente direito à propriedade?

  • RESPOSTA:

    Observe que houve mudança na relação entre Gabriel e o imóvel. No início, Gabriel se comportava como detentor, cuidando do imóvel para José Luiz, e depois passou a se comportar como possuidor e como se dono fosse, promovendo benfeitorias, etc. Como Gabriel tem a posse do bem, portanto, ele tem direito à proteção possessória e poderá se valer do desforço imediato em defesa da posse (autotutela).

    Quanto às benfeitorias, observe que até mesmo ao possuidor de má-fé são pagas as benfeitorias necessárias. Ademais, as benfeitorias não são pagas em dobro, em nenhum caso. 

    Resposta: D

  • Veja-se a legislação aplicável à questão:

    Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

    Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

    Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

    § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

    § 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

    Enunciado 301 do CJF: É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.

    Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

    Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

  • A partir do momento em que Gabriel (mantém-se no imóvel, cuidando dele como se seu fosse), deixa de ser detendor e passa a ser possuidor, art. 1.204.

    Ademais,o art. 1.210 § 1 traz:  "O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo" 

    E por que não é posse de má-fé?

    É de boa-fé porque, apesar de Gabriel ter sido demitido, o imóvel não foi pedido por nenhum dos sucessores, ninguém falou Gabriel saia da casa agora. A questão diz:

    "Após o falecimento de José Luiz, nenhum familiar se apresenta a Gabriel, que, embora demitido pelo inventariante do espólio de José Luiz, mantém-se no imóvel,"