Atenção: A questão refere-se ao texto a seguir, que trata da direção da economia brasileira no Segundo
Reinado.
Entre 1808, com a abertura dos portos, e 1850, no auge da centralização imperial, modificara-se a pacata, fechada e obsoleta
sociedade. O país europeizava-se, para escândalo de muitos, iniciando um período de progresso rápido, progresso conscientemente
provocado, sob moldes ingleses. O vestuário, a alimentação, a mobília mostram, no ingênuo deslumbramento, a subversão dos
hábitos lusos, vagarosamente rompidos com os valores culturais que a presença europeia infiltrava, juntamente com as mercadorias
importadas. O contato litorâneo das duas culturas, uma dominante já no período final da segregação colonial, articula-se no
ajustamento das economias.
Ao Estado, a realidade mais ativa da estrutura social, coube o papel de intermediar o impacto estrangeiro, reduzindo-o à
temperatura e à velocidade nativas. A engrenagem de acomodação e amortecimento poderia e deveria, se homogêneas as
economias e coerentes as concepções sobre estas, ser a obra dos comerciantes estrangeiros, nas filiais brasileiras ligadas à
metrópole. Poderiam esses quistos comerciais, ainda, submeter a política financeira aos seus interesses, segundo o velho padrão
colonial, que viriam substituir sem mudar a substância do vínculo.
Na verdade, evitada a prematura bravata nacionalista, diga-se, desde logo, que a dependência da economia brasileira é
inegável, mas não será, entretanto, uma dependência colonial, nem se afirmará no prolongamento da atividade metropolitana,
passivamente aceita. Será uma dependência por via do Estado, sob a vigilância, desconfiada muitas vezes, entusiástica outras, de
uma camada social, apta a participar das vantagens do intercâmbio, preocupada, não raro, em desviar-lhe o rumo submisso. A
manipulação legal e financeira apressa ou retarda a integração, enquanto nas ruas o sentimento nativista, antiluso nas suas origens,
ressente-se do invasor europeu, no qual identifica a arrogância colonialista.
O núcleo diretor da intermediação situa-se na estrutura financeira do país. Sua fraqueza, bem como seus episódicos impulsos,
dão a tonalidade à necessária passagem da maré estrangeira por um filtro nacional. O Tesouro, ao tempo que reflete a realidade
econômica, a ordena e a dirige, na ânsia, depois de 1850 acentuada, de erguer o país do marasmo, de adequá-lo ao mundo moderno
e de impor-lhe maior ritmo de progresso. Ele expressa, no contexto do aparelhamento estatal, a face da dependência e, na
preocupação de desenvolvimento, a fisionomia larvarmente autonomista.
(FAORO, Raymundo. Estado dependente, sob a orientação do Tesouro. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
v. 2, 10. ed. São Paulo: Globo; Publifolha, 2000. Grandes nomes do pensamento brasileiro. p. 3 e 4)
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