SóProvas


ID
281881
Banca
MPE-SP
Órgão
MPE-SP
Ano
2010
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

UM APÓLOGO

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
– Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma
coisa neste mundo?
– Deixe-me, senhora.
– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável?
Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe
importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos
outros.
– Mas você é orgulhosa.
– Decerto que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão
eu?
– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e
muito eu?
– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos
babados...
– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem
atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
– Também os batedores vão adiante do imperador.
– Você é imperador?
– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só
mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto... [...]
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a
agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da
bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando,
acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
– Ora agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do
vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta
para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor
experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela
e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro
caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: –
Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! (MACHADO DE ASSIS, J. M. Contos
Consagrados
. Rio de Janeiro: Ediouro, s. d.)

Assinale a alternativa em que a redação está de acordo com a norma culta.

Alternativas
Comentários
  •  Análise das Questões

    A - Correta

    B -  Errada - O alfinete não entendia por que agulha e a linha discutiam. ( equivalente a "por qual motivo")

    C - Errada -  O prIvilégio da linha causou mágoa à agulha.

    D - Errada -  Havia um empecilho a suas aspirações.

    E - Errada - A agulha e a linha estavam na iminência de começarem a se digladiar.
  • Apenas como complemento ao comentårio do nosso colega acima:

    b) O alfinete não entendia porque agulha e a linha discutiam.

    Existe outro erro na letra B, o item fere o paralelismo ao omitir o artigo antes de “agulha” e inseri-lo antes de “linha”

    O  correto seria omissão do artigo antes dos dois substativos ou inserção do artigo antes dos dois vocábulos.
  • “Por que”, pode ser substituído por “pelo qual”, “pela qual”, “motivo pelo qual”, “pelo qual motivo”.

    “Porque”, pode ser substituído por “pois” ou por “causa que”.

    “Por quê”, somente em final de período, precisando bater num ponto; segue a regra da palavra que: quando utilizada no fim de uma frase, será sempre acentuada.

    “Porquê”, sendo substantivo, vem antecedido de determinante (artigo ou pronome) e pode ser substituído por “motivo”.

    Abraços