SóProvas


ID
2840848
Banca
CONSULPAM
Órgão
Câmara de Juiz de Fora - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

     Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática. Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática. E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática. Mártir da gramática, fique este documento da sua vida como pedra angular para uma futura e bem merecida canonização. 

    Havia em Itaoca um pobre moço que definhava de tédio no fundo de um cartório. 

    Escrevente. Vinte e três anos. Magro. Ar um tanto palerma. Ledor de versos lacrimogêneos e pai duns acrósticos dados à luz no “Itaoquense”, com bastante sucesso.

    Vivia em paz com as suas certidões quando o frechou venenosa seta de Cupido. Objeto amado: a filha mais moça do coronel Triburtino, o qual tinha duas, essa Laurinha, do escrevente, então nos dezessete, e a do Carmo, encalhe da família, vesga, madurota, histérica, manca da perna esquerda e um tanto aluada.

    Triburtino não era homem de brincadeira. Esguelara um vereador oposicionista em plena sessão da câmara e desd’aí se transformou no tutu da terra. Toda gente lhe tinha um vago medo; mas o amor, que é mais forte que a morte, não receia sobrecenhos enfarruscados nem tufos de cabelos no nariz.

    Ousou o escrevente namorar-lhe a filha, apesar da distância hierárquica que os separava. Namoro à moda velha, já se vê, pois que nesse tempo não existia a gostosura dos cinemas. Encontros na igreja, à missa, troca de olhares, diálogos de flores – o que havia de inocente e puro. Depois, roupa nova, ponta de lenço de seda a entremostrar-se no bolsinho de cima e medição de passos na rua d’Ela, nos dias de folga. Depois, a serenata fatal à esquina, com o

    Acorda, donzela...

    Sapecado a medo num velho pinho de empréstimo. Depois, bilhetinho perfumado.

    Aqui se estrepou...

    Escrevera nesse bilhetinho, entretanto, apenas quatro palavras, afora pontos exclamativos e reticências:

Anjo adorado!

Amo-lhe! 

    Para abrir o jogo bastava esse movimento de peão. Ora, aconteceu que o pai do anjo apanhou o bilhetinho celestial e, depois de três dias de sobrecenho carregado, mandou chamá-lo à sua presença, com disfarce de pretexto – para umas certidõesinhas, explicou.

    Apesar disso, o moço veio um tanto ressabiado, com a pulga atrás da orelha. Não lhe erravam os pressentimentos. Mas o pilhou portas aquém, o coronel trancou o escritório, fechou a carranca e disse: 

    - A família Triburtino de Mendonça é a mais honrada desta terra, e eu, seu chefe natural, não permitirei nunca – nunca, ouviu? – que contra ela se cometa o menor deslize.

    Parou. Abriu uma gaveta. Tirou de dentro o bilhetinho cor-de-rosa, desdobrou-o.

    - É sua esta peça de flagrante delito?

    O escrevente, a tremer, balbuciou medrosa confirmação.

    - Muito bem! Continuou o coronel em tom mais sereno. Ama, então, minha filha e tem a audácia de o declarar... Pois agora…

    O escrevente, por instinto, ergueu o braço para defender a cabeça e relanceou os olhos para a rua, sondando uma retirada estratégica.

    - ... é casar! Concluiu de improviso o vingativo pai.

    O escrevente ressuscitou. Abriu os olhos e a boca, num pasmo. Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos disse, gaguejante:

    - Beijo-lhe as mãos, coronel! Nunca imaginei tanta generosidade em peito humano! Agora vejo com que injustiça o julgam aí fora!…

    Velhacamente o velho cortou-lhe o fio das expansões.

    - Nada de frases, moço, vamos ao que serve: declaro-o solenemente noivo de minha filha!

    E voltando-se para dentro, gritou:

    - Do Carmo! Venha abraçar o teu noivo!

    O escrevente piscou seis vezes e, enchendo-se de coragem, corrigiu o erro.

    - Laurinha, quer o coronel dizer…

    O velho fechou de novo a carranca.

    - Sei onde trago o nariz, moço. Vassuncê mandou este bilhete à Laurinha dizendo que ama- “lhe”. Se amasse a ela deveria dizer amo-“te”. Dizendo “amo-lhe” declara que ama a uma terceira pessoa, a qual não pode ser senão a Maria do Carmo. Salvo se declara amor à minha mulher (…).


(LOBATO, Monteiro. O Colocador de Pronomes. In: PINTO, Edith Pimentel (org.). O Português do Brasil: textos críticos e teóricos II - 1920-1945 – Fontes para a teoria e a história. São Paulo: Edusp, [1924] 1981, p. 51-79.) 

O texto apenas lido critica o emprego não normativo da língua portuguesa, no entanto, é flagrante o enunciado “Venha abraçar o teu noivo!”, cuja concordância:

Alternativas
Comentários
  • GAB: D - Está incorreta do ponto de vista da norma gramatical, pois falta paralelismo sintático entre o verbo no imperativo “venha”, que se refere à terceira pessoa do singular, e o pronome possessivo “teu”, que se refere à segunda. 



  • Em frases onde se usam pronomes de tratamento, o pronome possessivo fica na 3ª pessoa.


    Por exemplo: Vossa Excelência trouxe sua mensagem?


  • Imperativo

    vem tu

    venha você


    https://www.conjugacao.com.br/verbo-vir/

  • Caraca... Não sabia que seria "Vem Tu".

    Achei que fosse "Venha Tu".

    Mais conhecimento! Obrigado amigos do QC!

  • Pra não esquecer: O lema da Caixa está errado!

    "Vem pra Caixa você também"


    O correto seria:

    "Venha pra Caixa você também" ou "Vem pra Caixa tu também"

    Nunca esqueci graças a isso hahaha

  • Como seria a frase correta ??

  • O correto seria: "venhaS abraçar teu noivo" ?

  • Errado Carlos, a conjugação se faz com o verbo na forma "vem".

    Formas corretas: "Vem abraçar teu noivo." ou "Venha abraçar seu noivo."

  • Venhas abraçar o teu noivo, ou Venha abraçar o seu noivo.

  • GABARITO: LETRA D

    Vem = Tu

    Venha = você

    Vem abraçar teu noivo.

    Venha abraçar seu noivo.

  • Imperativo afirmativo: As 2º pessoa do singular e plural advêm do presente do indicativo.

    Logo o correto para a 2º pessoa do singular (tu) seria - "Vem" e não "venha", em que, este último está na 3º pessoa do singular, constatando-se assim ausência do paralelismo.

    Gabarito letra D!