A questão nos apresenta uma situação hipotética acerca do cancelamento de restos a pagar. Vamos analisa-la.
Primeiro vamos descobrir se o prefeito agiu de forma correta ou incorreta: os restos a pagar poderiam ter sido cancelados ou não?
De acordo com o MCASP 8ª edição: “são Restos a Pagar todas as despesas regularmente empenhadas, do exercício atual ou anterior, mas não pagas ou canceladas até 31 de dezembro do exercício financeiro vigente. Distingue-se dois tipos de restos a pagar: os processados (despesas já liquidadas); e os não processados (despesas a liquidar ou em liquidação).”
Ainda segundo o MCASP 8ª edição:
Serão inscritas em restos a pagar não processados as despesas não liquidadas, nas seguintes condições:
• O serviço ou material contratado tenha sido prestado ou entregue e que se encontre, em 31 de dezembro de cada exercício financeiro em fase de verificação do direito adquirido pelo credor (despesa em liquidação); ou
• O prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor estiver vigente (despesa a liquidar).
Serão inscritas em restos a pagar processados as despesas liquidadas e não pagas no exercício financeiro, ou seja, aquelas em que o serviço, a obra ou o material contratado tenha sido prestado ou entregue e aceito pelo contratante, nos termos do art. 63 da Lei nº 4.320/1964.
Certo. Agora eu lhe digo: apesar do disposto no artigo 58 da Lei 4.320/64, o empenho não cria obrigação de pagamento para a Administração Pública. Isso só acontece na liquidação, que está definida no artigo 63 da Lei 4.320/64. Aqui estão dois dispositivos:
Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
Pois bem. Então a regra é a seguinte: se tiver ocorrido somente o empenho da despesa, é possível cancelar os restos a pagar. Mas se já tiver ocorrido a liquidação (pois é aqui que surge a obrigação de pagamento), já era: a despesa não poderá ser cancelada.
Portanto:
• Restos a Pagar Não Processados podem ser cancelados!
• Restos a Pagar Processados não podem ser cancelados, pois já passaram pela liquidação: o credor tem direito adquirido.
Então, os restos a pagar em questão são processados ou não processados?
É aqui que está o “problema”. A questão afirma que “houve a contratação, a prestação do serviço e o empenho”. Muitos alunos consideraram que, por conta disso, fica subentendido que houve liquidação da despesa. Mas em nenhum momento isso fica claro na questão! Em nenhum momento a questão menciona a liquidação da despesa. Prestação de serviço é uma coisa. Liquidação da despesa é outra coisa!
Repare como o próprio MCASP corrobora esse entendimento quando diz que os restos a pagar processados são despesas “em que o serviço, a obra ou o material contratado tenha sido prestado ou entregue e aceito pelo contratante, nos termos do art. 63 da Lei nº 4.320/1964“. Ou seja: para ser restos a pagar processados não basta a prestação do serviço. É preciso haver o aceite, a liquidação da despesa, nos termos do artigo 63 da Lei 4.320/64.
Portanto, na minha opinião, trata-se de restos a pagar não processados, em que o serviço contratado foi prestado e encontra-se em fase de verificação do direito adquirido pelo credor (despesa em liquidação). E restos a pagar não processados podem ser cancelados!
“Professor, não acredito! Quer dizer que o prefeito agiu corretamente em cancelar os restos a pagar?”
Em primeiro lugar: essa é uma questão de múltipla-escolha. Você deve entender que, nesse tipo de questão, nós nem sempre estamos em busca da alternativa certa. Às vezes nós estamos buscando a melhor alternativa.
Em segundo lugar, e já lhe dando uma resposta concreta, “na lata”, preto e branco: não! O prefeito não agiu corretamente. Ele agiu de forma incorreta!
Observe o que o MCASP 8ª edição diz a respeito do cancelamento de restos a pagar não processados:
“As despesas empenhadas em liquidação são aquelas em que houve o adimplemento da obrigação pelo credor (contratado), caracterizado pela entrega do material ou prestação do serviço, estando na fase de verificação do direito adquirido, ou seja, tem-se a ocorrência do fato gerador da obrigação patrimonial, todavia, ainda não se deu a devida liquidação.
O cancelamento das despesas empenhadas em liquidação deve ser criterioso, tendo em vista que o fornecedor de bens/serviços cumpriu com a obrigação de fazer e a Administração está em fase de avaliação da prestação do serviço ou entrega do material. Tal cancelamento pode gerar a devolução do material recebido, indenização ou não dos serviços já realizados, observada a legislação pertinente.”
Você acha que o cancelamento das despesas da questão foi criterioso?
Que nada! Observe os motivos utilizados pelo prefeito: “o prefeito afirma que adotou a medida porque a despesa em apreço estava sem previsão de desembolso, não havendo suficiência de dotação na rubrica “despesas de exercícios anteriores”, além de ter sido o ex-prefeito, de partido da oposição, a autorizá-la.”
Primeiro: estar sem previsão de desembolso não interfere em nada. Se está sem previsão, faça a previsão, ué!
Segundo: quem está falando de Despesas De Exercícios Anteriores (DEA) aqui? Ninguém! Despesas de Exercícios Anteriores (DEA) são aquelas despesas cujas obrigações se referem a exercícios anteriores (não me diga, professor!), que não foram sequer empenhadas, ou tiveram seus empenhos cancelados – indevidamente ou por falta de saldo financeiro para a sua inscrição em Restos a Pagar.
Vejamos o artigo 37, da Lei 4.320/64:
Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.
Terceiro: o ex-prefeito era do partido político da oposição. Essa aqui não vou nem comentar. Claro que isso não é motivo para cancelar um empenho do exercício anterior.
Aqui é possível até mencionar a teoria dos motivos determinantes (que é estudada lá em direito administrativo). O professor Erick Alves, em seu curso, ensina que: “a teoria dos motivos determinantes estipula que a validade do ato está adstrita aos motivos indicados como seu fundamento, de maneira que, se os motivos forem inexistentes ou falsos, o ato será nulo.”
Enfim, depois de todo esse papo, vimos que o prefeito agiu de forma incorreta. Portanto, eliminamos as alternativas A, C e E.
E a alternativa D está incorreta porque as dívidas da antiga gestão não são automaticamente absorvidas pela nova. Essa regra não existe. Como vimos, é possível cancelar restos a pagar não processados (especialmente se o material não foi entregue ou se o serviço não foi prestado).
Só nos resta a alternativa B, que, nesse caso, é a melhor alternativa que temos. Em verdade, é incabível o cancelamento de restos a pagar, mas somente dos restos a pagar processados. Mas, assumindo que a alternativa estava se referindo aos restos a pagar da questão, realmente não cabia cancelar esses restos a pagar. Como afirma o MCASP 8ª edição: “o cancelamento das despesas empenhadas em liquidação deve ser criterioso”. Se o serviço foi prestado de forma regular, ou seja, se o contratado cumpriu suas obrigações, os restos a pagar não devem ser cancelados (muito menos pelos motivos dados pelo prefeito).
Gabarito do professor: B
A questão nos apresenta uma situação hipotética acerca do cancelamento de restos a pagar. Vamos analisa-la.
Primeiro vamos descobrir se o prefeito agiu de forma correta ou incorreta: os restos a pagar poderiam ter sido cancelados ou não?
De acordo com o MCASP 8ª edição: “são Restos a Pagar todas as despesas regularmente empenhadas, do exercício atual ou anterior, mas não pagas ou canceladas até 31 de dezembro do exercício financeiro vigente. Distingue-se dois tipos de restos a pagar: os processados (despesas já liquidadas); e os não processados (despesas a liquidar ou em liquidação)."
Ainda segundo o MCASP 8ª edição:
Serão inscritas em restos a pagar não processados as despesas não liquidadas, nas seguintes condições:
• O serviço ou material contratado tenha sido prestado ou entregue e que se encontre, em 31 de dezembro de cada exercício financeiro em fase de verificação do direito adquirido pelo credor (despesa em liquidação); ou
• O prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor estiver vigente (despesa a liquidar).
Serão inscritas em restos a pagar processados as despesas liquidadas e não pagas no exercício financeiro, ou seja, aquelas em que o serviço, a obra ou o material contratado tenha sido prestado ou entregue e aceito pelo contratante, nos termos do art. 63 da Lei nº 4.320/1964.
Certo. Agora eu lhe digo: apesar do disposto no artigo 58 da Lei 4.320/64, o empenho não cria obrigação de pagamento para a Administração Pública. Isso só acontece na liquidação, que está definida no artigo 63 da Lei 4.320/64. Aqui estão dois dispositivos:
Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
Pois bem. Então a regra é a seguinte: se tiver ocorrido somente o empenho da despesa, é possível cancelar os restos a pagar. Mas se já tiver ocorrido a liquidação (pois é aqui que surge a obrigação de pagamento), já era: a despesa não poderá ser cancelada.
Portanto:
• Restos a Pagar Não Processados podem ser cancelados!
• Restos a Pagar Processados não podem ser cancelados, pois já passaram pela liquidação: o credor tem direito adquirido.
Então, os restos a pagar em questão são processados ou não processados?
É aqui que está o “problema". A questão afirma que “houve a contratação, a prestação do serviço e o empenho". Muitos alunos consideraram que, por conta disso, fica subentendido que houve liquidação da despesa. Mas em nenhum momento isso fica claro na questão! Em nenhum momento a questão menciona a liquidação da despesa. Prestação de serviço é uma coisa. Liquidação da despesa é outra coisa!
Repare como o próprio MCASP corrobora esse entendimento quando diz que os restos a pagar processados são despesas “em que o serviço, a obra ou o material contratado tenha sido prestado ou entregue e aceito pelo contratante, nos termos do art. 63 da Lei nº 4.320/1964“. Ou seja: para ser restos a pagar processados não basta a prestação do serviço. É preciso haver o aceite, a liquidação da despesa, nos termos do artigo 63 da Lei 4.320/64.
Portanto, na minha opinião, trata-se de restos a pagar não processados, em que o serviço contratado foi prestado e encontra-se em fase de verificação do direito adquirido pelo credor (despesa em liquidação). E restos a pagar não processados podem ser cancelados!
“Professor, não acredito! Quer dizer que o prefeito agiu corretamente em cancelar os restos a pagar?"
Em primeiro lugar: essa é uma questão de múltipla- escolha. Você deve entender que, nesse tipo de questão, nós nem sempre estamos em busca da alternativa certa. Às vezes nós estamos buscando a melhor alternativa.
Em segundo lugar, e já lhe dando uma resposta concreta, “na lata", preto e branco: não! O prefeito não agiu corretamente. Ele agiu de forma incorreta!
Observe o que o MCASP 8ª edição diz a respeito do cancelamento de restos a pagar não processados:
“As despesas empenhadas em liquidação são aquelas em que houve o adimplemento da obrigação pelo credor (contratado), caracterizado pela entrega do material ou prestação do serviço, estando na fase de verificação do direito adquirido, ou seja, tem-se a ocorrência do fato gerador da obrigação patrimonial, todavia, ainda não se deu a devida liquidação.
O cancelamento das despesas empenhadas em liquidação deve ser criterioso, tendo em vista que o fornecedor de bens/serviços cumpriu com a obrigação de fazer e a Administração está em fase de avaliação da prestação do serviço ou entrega do material. Tal cancelamento pode gerar a devolução do material recebido, indenização ou não dos serviços já realizados, observada a legislação pertinente."
Você acha que o cancelamento das despesas da questão foi criterioso?
Que nada! Observe os motivos utilizados pelo prefeito: “o prefeito afirma que adotou a medida porque a despesa em apreço estava sem previsão de desembolso, não havendo suficiência de dotação na rubrica “despesas de exercícios anteriores", além de ter sido o ex-prefeito, de partido da oposição, a autorizá-la."
Primeiro: estar sem previsão de desembolso não interfere em nada. Se está sem previsão, faça a previsão, ué!
Segundo: quem está falando de Despesas De Exercícios Anteriores (DEA) aqui? Ninguém! Despesas de Exercícios Anteriores (DEA) são aquelas despesas cujas obrigações se referem a exercícios anteriores (não me diga, professor!), que não foram sequer empenhadas, ou tiveram seus empenhos cancelados – indevidamente ou por falta de saldo financeiro para a sua inscrição em Restos a Pagar. Vejamos o artigo 37, da Lei 4.320/64:
Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.
Terceiro: o ex-prefeito era do partido político da oposição. Essa aqui eu não vou nem comentar. É óbvio que isso não é motivo para cancelar um empenho de exercício anterior.
E aqui é possível até mencionar a teoria dos motivos determinantes (que é estudada lá em direito administrativo). O professor Erick Alves, em seu curso, ensina que: “a teoria dos motivos determinantes estipula que a validade do ato está adstrita aos motivos indicados como seu fundamento, de maneira que, se os motivos forem inexistentes ou falsos, o ato será nulo."
Enfim, depois de todo esse papo, vimos que o prefeito agiu de forma incorreta. Portanto, eliminamos as alternativas A, C e E.
E a alternativa D está incorreta porque as dívidas da antiga gestão não são automaticamente absorvidas pela nova. Essa regra não existe. Como vimos, é possível cancelar restos a pagar não processados (especialmente se o material não foi entregue ou se o serviço não foi prestado).
Só nos resta a alternativa B, que, nesse caso, é a melhor alternativa que temos. Em verdade, é incabível o cancelamento de restos a pagar, mas somente dos restos a pagar processados. Mas, assumindo que a alternativa estava se referindo aos restos a pagar da questão, realmente não cabia cancelar esses restos a pagar. Como afirma o MCASP 8ª edição: “o cancelamento das despesas empenhadas em liquidação deve ser criterioso". Se o serviço foi prestado de forma regular, ou seja, se o contratado cumpriu suas obrigações, os restos a pagar não devem ser cancelados (muito menos pelos motivos dados pelo prefeito).
Gabarito do professor: Letra B.