SóProvas


ID
2885185
Banca
UERR
Órgão
IPERON - RO
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                             A mulher que ia navegar


       O anúncio luminoso de um edifício em frente, acendendo e apagando, dava banhos intermitentes de sangue na pele de seu braço repousado, e de sua face. Ela estava sentada junto à janela e havia luar; e nos intervalos desse banho vermelho ela era toda pálida e suave.

      Na roda havia um homem muito inteligente que falava muito; havia seu marido, todo bovino; um pintor louro e nervoso; uma senhora morena de riso fácil e engraçado; um físico, uma senhora recentemente desquitada, e eu. Para que recensear a roda que falava de política e de pintura? Ela não dava atenção a ninguém. Quieta, às vezes sorrindo quando alguém lhe dirigia a palavra, ela apenas mirava o próprio braço, atenta à mudança da cor. Senti que ela fruía nisso um prazer silencioso e longo. “Muito!”, disse quando alguém lhe perguntou se gostara de um certo quadro - e disse mais algumas palavras; mas mudou um pouco a posição do braço e continuou a se mirar, interessada em si mesma, com um ar sonhador.

      Quando começou a discussão sobre pintura figurativa, abstrata e concreta, houve um momento em que seu marido classificou certo pintor com uma palavra forte e vulgar; ela ergueu os olhos para ele, com um ar de censura; mas nesse olhar havia menos zanga do que tédio. Então senti que ela se preparava para o enganar.

      Ela se preparava devagar, mas sem dúvida e sem hesitação íntima nenhuma; devagar, como um rito. Talvez nem tivesse pensado ainda que homem escolhería, talvez mesmo isso no fundo pouco lhe importasse, ou seria, pelo menos, secundário. Não tinha pressa. O primeiro ato de sua preparação era aquele olhar para si mesma, para seu belo braço que lambia devagar com os olhos, como uma gata se lambe no corpo; era uma lenta preparação. Antes de se entregar a outro homem, ela se entregaria longamente ao espelho, olhando e meditando seu corpo de 30 anos com uma certa satisfação e uma certa melancolia, vendo as marcas do maiô e da maternidade e se sorrindo vagamente, como quem diz: eis um belo barco prestes a se fazer ao mar; é tempo.

      Talvez tenha pensado isso naquele momento mesmo; olhou-me, quase surpreendendo o olhar com que eu estudava; não sei; em todo caso, me sorriu e disse alguma coisa, mas senti que eu não era o navegador que ela buscava. Então, como se estivesse despertando, passou a olhar uma a uma as pessoas da roda; quando se sentiu olhado, o homem inteligente que falava muito continuou a falar encarando-a, a dizer coisas inteligentes sobre homem e mulher; ela ia voltar os olhos para outro lado, mas ele dizia logo outra coisa inteligente, como quem joga depressa mais quirera de milho a uma pomba. Ela sorria, mas acabou se cansando daquele fluxo de palavras, e o abandonou no meio de uma frase. Seus olhos passaram pelo marido e pelo pequeno pintor louro e então senti que pousavam no físico. Ele dizia alguma coisa à mulher recentemente desquitada, alguma coisa sobre um filme do festival. Era um homem moreno e seco, falava devagar e com critério sobre arte e sexo. Falava sem pose, sério; senti que ela o contemplava com uma vaga surpresa e com agrado. Estava gostando de ouvir o que ele dizia à outra. O homem inteligente que falava muito tentou chamar-lhe a atenção com uma coisa engraçada, e ela lhe sorriu; mas logo seus olhos se voltaram para o físico. E então ele sentiu esse olhar e o interesse com que ela o ouvia, e disse com polidez:

      - Asenhora viu o filme?

      Ela fez que sim com a cabeça, lentamente, e demorou dois segundos para responder apenas: vi. Mas senti que seu olhar já estudava aquele homem com uma severa e fascinada atenção, como se procurasse na sua cara morena os sulcos do vento do mar e, no ombro largo, a secreta insígnia do piloto de longo, longo curso.

      Aborrecido e inquieto, o marido bocejou - era um boi esquecido, mugindo, numa ilha distante e abandonada para sempre. É estranho: não dava pena.

      Ela ia navegar.

BRAGA, Rubem. A mulher que ia navegar. In: Rubem Braga. Recado da primavera. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991. p.80­-82.

“Quando começou a discussão sobre pintura figurativa, abstrata e concreta, houve um momento em que seu marido classificou certo pintor com uma palavra forte e vulgar”


A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.


I. Se o fragmento for passado para o plural o verbo "HAVER" permanecerá no singular.

II. Todos os verbos do trecho, conforme a regência verbal, são transitivos.

III. O sujeito da primeira oração é determinado pela desinência verbal e não aparece explícito.


Está correto apenas o que se afirma em:

Alternativas
Comentários
  • I. Se o fragmento for passado para o plural o verbo "HAVER" permanecerá no singular.

    Essa daqui não estaria correta?

  • Sim... apenas a opção I está correta.
  • Qual o verbo q não é transitivo direto?

  • Alguém poderia me explicar esta questão??

    Qual verbo não é transitivo?

    Qual o sujeito da primeira oração?

  • "Começou" é verbo intransitivo e o sujeito da primeira oração é "a discussão".

  • (correta) I. Se o fragmento for passado para o plural o verbo "HAVER" permanecerá no singular.

    Nesse fragmento o verbo haver está no sentido de "acontecer": "houve um momento em que seu marido classificou certo pintor..."

    O verbo Haver:

    O verbo haver é impessoal, no sentido de existir, de acontecer ou indicando tempo decorrido; por isso fica na 3ª pessoa do singular - caso esteja acompanhado de um verbo auxiliar, formando uma locução verbal, ambos ficarão no singular. Nos outros sentidos, concorda com o sujeito.

    Exemplo:

    • Havia um mês, nós estávamos à sua procura.

    • Poderá haver confrontos entre os policiais e os grevistas.

    • Os alunos haviam ficado revoltados.

    Fonte: apostila prof Dalvani: https://drive.google.com/file/d/0B3sv-nH801-ZcmRDN2hxbjlJaU0/view

    (incorreta) II. Todos os verbos do trecho, conforme a regência verbal, são transitivos.

    "Quando começou a discussão sobre pintura figurativa, abstrata e concreta"

    Colocando na ordem direta: Quando(Adj. adverbial de tempo) a discussão começou( Verbo intransitivo) sobre pintura....

    Verbos Intransitivos são aqueles que não necessitam de complemento porque têm sentido completo. Por esse motivo, eles conseguem formar o predicado sozinhos.

    Exemplos:

    1)Carmem morreu.

    2)Jordana chegou.

    Os verbo intransitivos são, muitas vezes, acompanhados de adjunto adverbial ou de predicativo.

    1)Carmem morreu serenamente.

    2)Jordana chegou satisfeita.

    Fonte: https://www.todamateria.com.br/verbos-intransitivos/

    (incorreta) III. O sujeito da primeira oração é determinado pela desinência verbal e não aparece explícito.

    Núcleo do Sujeito: discussão

    obs: foi o que consegui entender

  • Alguém explica a III , por favor?

  • Os verbos não são transitivos?