O princípio da presunção de
inocência, que incide no processo penal, aplica-se também aos procedimentos
administrativos sancionatórios, inclusive, ao procedimento administrativo
disciplinar, que é o procedimento administrativo instaurado com a finalidade de
apurar a prática de infrações disciplinares e impor sanções a servidores
públicos e outras pessoas sujeitas à disciplina administrativa.
Assim, tal e qual no processo
penal, no procedimento administrativo disciplinar o acusado é presumido
inocente. Essa presunção, contudo, é relativa, isto é, pode ser afastada se um
conjunto de provas demonstrar o contrário.
Aplicam-se também aos
procedimentos administrativos, sobretudo, aos procedimentos administrativos sancionatórios,
os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
Dos princípios da presunção de
inocência, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório resulta
que o ônus da prova nos processos administrativos disciplinares é da
Administração Pública a quem compete produzir prova da culpa do acusado. Não
cabe jamais ao acusado comprovar sua inocência. Além disso, por força dos
mesmos princípios são vedadas presunções em desfavor do acusado em procedimento
administrativo disciplinar. Por fim, na falta de provas que indiquem a prática
de infração disciplinar pelo acusado, este deve ser absolvido, prevalecendo, no
momento do proferimento de julgamento ou decisão final, em âmbito
administrativo assim como em âmbito penal, o princípio do in dubio pro reo.
Neste cenário, é também direito do
acusado em procedimento administrativo disciplinar não produzir prova contra si
mesmo, sendo ônus da Administração Pública produzir provas contra o acusado. Do
direito de não produzir prova contra si mesmo decorre o direito do acusado de
ficar em silêncio sem que o silêncio do acusado seja interpretado em seu
desfavor.
Sobre o direito de não produzir
prova contra si mesmo e sobre o direito ao silêncio do acusado em procedimento
administrativo disciplinar, destacamos as seguintes decisões do Superior
Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE
SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - EMBRIAGUEZ HABITUAL NO
SERVIÇO - COAÇÃO DO SERVIDOR DE PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO, MEDIANTE A
COLETA DE SANGUE, NA COMPANHIA DE POLICIAIS MILITARES - PRINCÍPIO DO "NEMO
TENETUR SE DETEGERE" - VÍCIO FORMAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO -
CERCEAMENTO DE DEFESA - DIREITO DO SERVIDOR À LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE
E, INCLUSIVE, À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - RECURSO PROVIDO.1. É
inconstitucional qualquer decisão contrária ao princípio nemo tenetur se
detegere, o que decorre da inteligência do art. 5º, LXIII, da Constituição
da República e art. 8º, § 2º, g, do Pacto de São José da Costa
Rica. Precedentes. 2. Ocorre vício formal no processo administrativo
disciplinar, por cerceamento de defesa, quando o servidor é obrigado a fazer
prova contra si mesmo, implicando a possibilidade de invalidação da penalidade
aplicada pelo Poder Judiciário, por meio de mandado de segurança. 3.
A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se
de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o
servidor.4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser
licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso,
aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito
subjetivo à saúde e vítima do insucesso das políticas públicas sociais do
Estado. 5. Recurso provido. (RMS 18.017/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA,
SEXTA TURMA, julgado em 09/02/2006, DJ 02/05/2006, p. 390-grifos adicionados)
RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. DEMISSÃO.
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CITAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS
ACUSAÇÕES FEITAS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO DA INVESTIGADA. COMPROMISSO DE DIZER
A VERDADE. PRERROGATIVA CONTRA AUTOINCRIMINAÇÃO. ART. 5º, LXIII, DA CF/88.
INFRINGÊNCIA. ANULAÇÃO DO PROCESSO QUE SE IMPÕE DESDE O ATO CITATÓRIO. RECURSO
ORDINÁRIO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA.1. Por ocasião da citação inicial no
processo administrativo disciplinar, não foram explicitadas as condutas
ilícitas imputadas à servidora, tampouco indicados os preceitos legais
eventualmente violados. A investigada, portanto, no momento em que foi
cientificada da instauração do processo administrativo disciplinar, desconhecia
as razões pelas quais estava sendo investigada, o que lhe impossibilitou o
pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Impõe-se, pois, a anulação
do processo administrativo disciplinar a partir da citação. 2. De outra
parte, no caso em comento, a servidora foi interrogada por duas vezes durante o
processo administrativo disciplinar, e, em ambas as oportunidades, ela se
comprometeu "a dizer a verdade das perguntas formuladas". 3. Ao
assim proceder, a comissão processante feriu de morte a regra do art. 5º,
LXIII, da CF/88, que confere aos acusados o privilégio contra a autoincriminação,
bem como as garantias do devido processo legal e da ampla defesa. Com efeito,
em vez de constranger a servidora a falar apenas a verdade, deveria ter-lhe
avisado do direito de ficar em silêncio. 4. Os
interrogatórios da servidora investigada, destarte, são nulos e, por isso, não
poderiam embasar a aplicação da pena de demissão, pois deles não pode advir
qualquer efeito. Como, na hipótese em comento, o relatório
final da comissão processante que sugeriu a demissão e a manifestação da
autoridade coatora que decidiu pela imposição dessa reprimenda se valeram das
evidências contidas nos interrogatórios, restaram contaminados de nulidades,
motivo pelo qual também não podem subsistir. 5. Recurso ordinário provido.
Segurança concedida, em ordem a anular o processo administrativo disciplinar
desde a citação. (RMS 14.901/TO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 10/11/2008- grifos adicionados).
Vejamos, a seguir, as alternativas
da questão:
A) Esse raciocínio do
autor não está mais em vigor no sistema positivo brasileiro, que admite presunções
de toda a espécie para o fim de possibilitar o combate à corrupção.
Incorreto.
O ordenamento jurídico positivo brasileiro não admite presunções desfavoráveis
ao acusado, ainda que para possibilitar o combate à corrupção.
B) A presunção de culpa
ou dolo sem previsão legal na esfera administrativa é permitida desde que
autorizada pela instância do Supremo Tribunal Federal.
Incorreta.
Não é permitida presunção de dolo ou culpa na esfera administrativa.
C) O raciocínio acima
justifica a existência de disposição que afirma estar a Administração Pública
proibida de interpretar o silêncio do acusado em seu desfavor.
Correta. O
raciocínio exposto no enunciado da questão é no sentido de que, em princípio,
não podem ocorrer, em procedimentos administrativos disciplinares, presunções
em desfavor do acusado. Daí resulta que o acusado em procedimento
administrativo disciplinar, tem direito a não se autoincriminar e,
consequentemente, direito ao silêncio, não podendo o silêncio do acusado ser
interpretado em seu desfavor.
D) No Brasil, ao
contrário da Itália, em processos disciplinares que visem o combate à
corrupção, cabe ao agente público provar a sua inocência.
Incorreta.
Em todos os procedimentos administrativos disciplinares, inclusive os que visem
ao combate à corrupção, o ônus da prova é da Administração Pública.
E) O processo
administrativo disciplinar é regido atualmente pelo princípio do contraditório
moderado e da ampla defesa mitigada.
Incorreta.
Os princípios da ampla defesa e do contraditório se aplicam de forma plena aos
procedimentos administrativos disciplinares, na forma do artigo 5 da
Constituição Federal
Gabarito do
professor: C.