A questão demanda conhecimento das desapropriações e, sobretudo, do
instituto da retrocessão e do dever de retrocessão nas desapropriações.
O direito de retrocessão está previsto o artigo 519 do Código Civil que
determina o seguinte: “se a coisa expropriada
para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não
tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou
serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço
atual da coisa".
Só há direito de retrocessão nas desapropriações para fins de
necessidade ou utilidade pública. A retrocessão ocorre quando, depois de
desapropriado o bem e paga a indenização, ao bem não é dada destinação pública,
de modo que há um desinteresse superveniente do Poder Público no bem
desapropriado. Para que haja direito a retrocessão se: i) ao bem desapropriado
não for dado o destino para que se desapropriou ou ii) o bem não for utilizado
em obras ou serviços públicos.
Ou seja, não sendo dado ao bem desapropriado destinação pública, ficando
o bem sem destinação ou recebendo destinação que não o interesse público, surge
o direito à retrocessão, isto é, o expropriado terá direito de preferência para
adquirir o bem pelo seu preço atual.
Importante ressaltar que, caso seja dada ao bem destinação pública,
ainda que diversa daquela que motivou a desapropriação, não há direito do
expropriado à retrocessão do bem.
Quando é dado ao bem finalidade diversa daquela que motivou a
desapropriação ocorre o fenômeno da tredestinação. Caso seja dado ao bem
destinação diversa daquela para qual foi desapropriado, mas que seja pública e
atenda ao interesse público, a tredestinação é lícita e não há direito do
expropriado à retrocessão. Na hipótese, contudo, de ser dada ao bem finalidade que
não atenda ao interesse público, a tredestinação será ilícita e há direito do
expropriado à retrocessão.
Há uma divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza
jurídica da retrocessão. Para alguns, a retrocessão é direito real e o
expropriado tem direito ao bem. Nessa linha, já entendeu o Superior Tribunal de
Justiça o seguinte:
ADMINISTRATIVO. RETROCESSÃO. DESTINAÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL DESAPROPRIADO
À CONSTRUÇÃO DA SEDE DA ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO ENTE EXPROPRIANTE.
TREDESTINAÇÃO ILÍCITA. AUSÊNCIA DE UTILIDADE PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E
DANOS. 1. A utilização de parte do imóvel desapropriado como sede da associação
dos servidores do ente expropriante, reservada à recreação e lazer de seus
associados, constitui tredestinação ilícita que torna cabível a retrocessão
diante da ausência de utilidade pública da desapropriação. 2. Conquanto seja
a retrocessão um direito real, havendo pedido alternativo de restituição do
imóvel ou de indenização por perdas e danos, esta é a melhor solução nesta fase
recursal, em que é inviável o conhecimento da atual situação do bem.
Precedente. 3. Recurso especial provido. (REsp 647.340/SC, Rel. Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2006, DJ 29/05/2006, p. 208).
(Grifos nossos.)
Para uma segunda corrente, a retrocessão é direito pessoal, de modo que
o expropriado não tem direito ao bem, mas sim à indenização por perdas e danos.
Os defensores desta corrente entendem que é isto que resulta do artigo 35 da
Lei Geral de Desapropriações (Decreto-Lei 3.365/1941) que determina que “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública,
não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do
processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em
perdas e danos".
Sobre o tema, afirma José dos Santos Carvalho Filho o seguinte:
(...) a nosso ver, o direito é pessoal, conclusão a que temos que
curvar-nos em virtude da legislação atualmente vigorante. Entretanto, conviria
que, de lege ferenda, viesse a se caracterizar como real. De fato, se o próprio
Estado desiste do que pretendia, deve restituir as coisas ao estado anterior,
obrigando-se a devolver o bem a seu antigo proprietário. (CARVALHO FILHO. J. S.
Manual de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
922-923).
Há
ainda uma terceira corrente, defendida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito
Administrativo. 32ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 432) que entende
a retrocessão é direito misto – real e pessoal – podendo o expropriado escolher
entre o direito de preferência para aquisição do bem, que tem natureza real, e
o recebimento de indenização pelas perdas e danos sofridos.
O
enunciado da questão esclarece que nenhuma destinação foi dada aos terrenos
desapropriados, sendo assim, surge, na forma do artigo 519 do Código Civil, o
direito dos expropriados à retrocessão.
Vejamos
as alternativas da questão:
A) Os expropriados têm
direito de preferência sobre os imóveis desapropriados, podendo readquiri-los
pagando seu preço atual.
Correta.
De acordo com o artigo 519 do Código Civil, os expropriados têm direito de
preferência na aquisição dos imóveis, desde que paguem por estes seus preços
atuais.
B) Os expropriados têm direito de preferência sobre os imóveis
desapropriados, podendo readquiri-los bastando, para tanto, que devolvam o mesmo
valor que receberam a título de indenização.
Incorreta.
O valor pago pela coisa deve ser o valor atual desta e não o valor recebido a
título de indenização.
C) Como já receberam a
indenização, os expropriados não têm qualquer direito sobre os imóveis.
Incorreta.
Os expropriados têm direito à retrocessão.
D) Os expropriados poderão
readquirir o imóvel em procedimento de concorrência pública, desde que ofereçam
ao Município o melhor preço, independentemente de preferência.
Incorreta.
Os expropriados têm direito de preferência na aquisição dos bens imóveis, na
forma do artigo 519 do Código Civil.
E) O Município devolverá os
bens aos expropriados, que deverão devolver parte da indenização, considerando
de modo proporcional o tempo em que permaneceram desapropriados.
Incorreta. Os expropriados têm direito de preferência na aquisição dos
imóveis desapropriados, mas devem pagar por estes seus valores atuais e não
apenas parte do valor recebido a título de indenização.
Gabarito do professor: A.