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"A proibição de venire contra factum proprium, impede que uma das partes do contrato contrarie/contradiga o seu próprio comportamento, depois de ter produzido, em outra pessoa, uma expectativa.
Já o instituto da supressio incide nas situações em que um determinado direito/obrigação não é exercitado durante um determinado lapso temporal e, por conta disso, não poderá mais sê-lo praticada em razão da sua supressão (perda).
Já a surrectio é o oposto da supressio, pois consiste no nascimento de um direito/obrigação exigível decorrente da continuada e sucessiva prática de certos atos e ações. Conjecturando a situação de que o credor, ao aceitar que o pagamento do contrato ocorresse em lugar ou período diverso do convencionado, por conta da incidência do instituto da surrectio, poderá o devedor estabelecer que o contrato seja, agora, adimplido no novo lugar ou tempo consentido.
Por fim, o tu quoque objetiva impedir que o infrator de uma norma ou obrigação almeje valer-se posteriormente da mesma norma ou obrigação antes transgredida para exercer um direito ou pretensão. Ou seja, aquele que viola determinada norma jurídica não poderá desempenhar a situação jurídica que essa mesma norma lhe confere, pois do contrário, se estaria transgredindo os princípios da boa-fé objetiva, bem como da ética e da justiça contratual."
Fonte: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI297820,91041-Breves+apontamentos+sobre+a+boafe+objetiva+nas+relacoes+contratuais
Gabarito: letra B
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A fim de encontrar a resposta correta, iremos analisar todas as alternativas propostas pela questão:
A) De fato, o credor que aceita receber reiteradamente o pagamento em local diverso do pactuado perde o direito de exigir que o devedor efetue o pagamento no lugar previsto no contrato, mas não por conta do “venire contra factum proprium", mas por causa da “supressio".
“Venire contra factum proprium" consiste na vedação do comportamento contraditório. Em sua obra, Flavio Tartuce faz referência a Anderson Screiber, que aponta quatro pressupostos para a sua aplicação: a) um fato próprio, uma conduta inicial; b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta; c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; d) um dano ou potencial dano decorrente desta contradição (TARTUCE, Flavio. Direito Civil. Teoria Geral dos Contratos e Contatos em Espécie. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3, p. 146). Exemplo: Caio gostou muito de uma calça, mas como não dispõe de dinheiro para pagamento à vista e nem de cartão de crédito, Ticio, o dono da loja, sugere que ele parcele a compra, através da emissão de três cheques pós datados, a serem descontados nos três meses subsequentes à compra. Sabemos que o cheque é uma ordem de pagamento à vista e Ticio vai até o banco e desconta os três de uma só vez. Isso configura “venire contra factum proprium", violando a boa-fé objetiva.
Incorreta;
B) “Supressio" e “surrectio" são faces da mesma moeda. “Supressio" significa supressão, ou seja, a renúncia tácita de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício com o passar do tempo. É o caso da assertiva, em que o credor perde o direito de exigir que o devedor efetue o pagamento no lugar previsto no contrato. Do mesmo modo que o credor perde um direito, o devedor ganha outro a seu favor por meio da “surrectio", que até então não existia juridicamente, mas que surgiu dos costumes. Vejamos o art. 330 do CC: “O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato".
Correta;
C) O credor que aceita receber reiteradamente o pagamento em local diverso do pactuado perde o direito de exigir que o devedor efetue o pagamento no lugar previsto no contrato, por conta da “supressio".
Incorreta;
D) Dispõe o art. 323 do CC que “sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos". “Como os juros não produzem rendimento, é de supor que o credor imputaria neles o pagamento parcial da dívida, e não no capital, que continuaria a render. Determina a lógica, portanto, que os juros devem ser pagos em primeiro lugar. Em regra, quando o recibo está redigido em termos gerais, sem qualquer ressalva, presume-se ser plena a quitação" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2, p. 323-324). Acontece que esse entendimento não se aplica à correção monetária, estando a aplicação do dispositivo limitada aos juros moratórios. Esse é o entendimento do STJ. Assim, o credor que dá quitação da dívida sem nenhuma ressalva TEM DIREITO DE EXIGIR COMPLEMENTAÇÃO do pagamento por conta de correção monetária, pois "a correção monetária, diferentemente dos juros, não constitui um plus, mas tão somente reposição do valor real da moeda" (REsp 911.046/GO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 2/8/2007).
Incorreta;
E) De fato, o credor que dá quitação da dívida sem nenhuma ressalva tem direito de exigir complementação do pagamento por conta de correção monetária, mas não se trata do “venire contra factum proprium", mas da não aplicação do art. 323 do CC.
Incorreta.
Resposta: B
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De acordo com Stolze e Pamplona:
Supressio: A expressão supressio também é um importante desdobramento da boa-fé objetiva. Decorrente da expressão alemã Verwirkung, consiste na perda (supressão) de um direito pela falta de seu exercício por razoável lapso temporal.
Surrectio: Costumamos afirmar, em sala de aula, que a surrectio é o outro lado da moeda da supressio. Com efeito, se, na figura da supressio, vislumbra-se a perda de um direito pela sua não atuação evidente, o instituto da surrectio se configura no surgimento de um direito exigível, como decorrência lógica do comportamento de uma das partes.
Fonte: Comentários QC.
Note que a questão também estaria correta se invertesse o raciocínio e falasse que para o devedor ocorreu a "surrectio", as bancas as vezes invertem os conceitos.
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Sobre as alternativas "D" e "E", acredito que não há que se falar em supressio em relação à correção monetária, porque para a cobrança desta, que é parcela acessória ao débito principal, deve-se observar o prazo prescricional do Art. 203, § 3º, III, do CC.
Caso o credor assim não proceda, ocorrerá a prescrição das parcelas e não a supressio.
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D) Dispõe o art. 323 do CC que “sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos". “Como os juros não produzem rendimento, é de supor que o credor imputaria neles o pagamento parcial da dívida, e não no capital, que continuaria a render. Determina a lógica, portanto, que os juros devem ser pagos em primeiro lugar. Em regra, quando o recibo está redigido em termos gerais, sem qualquer ressalva, presume-se ser plena a quitação" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2, p. 323-324). Acontece que esse entendimento não se aplica à correção monetária, estando a aplicação do dispositivo limitada aos juros moratórios. Esse é o entendimento do STJ. Assim, o credor que dá quitação da dívida sem nenhuma ressalva TEM DIREITO DE EXIGIR COMPLEMENTAÇÃO do pagamento por conta de correção monetária, pois "a correção monetária, diferentemente dos juros, não constitui um plus, mas tão somente reposição do valor real da moeda" (REsp 911.046/GO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 2/8/2007). Incorreta;
E) De fato, o credor que dá quitação da dívida sem nenhuma ressalva tem direito de exigir complementação do pagamento por conta de correção monetária, mas não se trata do “venire contra factum proprium", mas da não aplicação do art. 323 do CC. Incorreta.
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Art. 330, CC: O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.
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Gabarito B
Dica rápida:
Para o devedor = surrectio.
Para o credor = supressio.
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Corolários da Boa-fé Objetiva
Venire contra factum proprium: não pode "A" praticar ato que frustre a legítima expectativa anteriormente criada por ele em "B".
Supressio: perda do direito de "A" por sua inércia prolongada, que teve a capacidade de gerar uma legítima expectativa em "B".
*No caso da questão, "A", credor, perdeu seu direito de receber as parcelas no local previamente pactuado, em razão de sua inércia prolongada em reclamar de "B" o correto cumprimento.
Surrectio: aquisição de direito por parte de "A", em razão de condutas reiteradas e antijurídicas de "B" que tiveram a capacidade de criar legítima expectativa em "A".
Tu quoque: ninguém pode servir-se da própria torpeza.
Importante lembrar as recentes decisões do STJ sobre o tema:
- O pagamento de alimentos, por liberalidade, após a extinção da obrigação não pode ser mantida com fundamento na surrectio.
- A impenhorabilidade do bem de família hipotecado não pode ser oposta nos casos em que a dívida garantida se reverteu em proveito da entidade familiar, pois viola a boa-fé objetiva (tu quoque).
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Imaginemos o serviço de proteção à testemunha. É um serviço disponibilizado para o cidadão, todavia, não há que se falar na prestação de todas as informações desse serviço, pois se assim o fosse, o sigilo, que é inerente a esse serviço poderia serr comprometido.
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Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.
O comportamento reiterado do credor ao aceitar pagamentos feitos em local diverso daquele que foi ajustado implica alteração tácita do local do pagamento. Essa modificação já era admitida na vigência do Código revogado, assim como é possível reconhecê-la em diversas outras situações semelhantes, na qual a conduta dos contratantes, ou dos obrigados, implica a anuência com sua modificação.
Aliás, o comportamento capaz de provocar modificações contratuais poderia ser reconhecido pela incidência da hipótese prevista no art. 111 deste Código, na qual o próprio silêncio é havido como anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, não sendo necessária a declaração expressa de vontade.
Jurisprudência: Apelação cível. Consignação em pagamento. Recusa do credor em receber as parcelas. Pagamentos iniciais realizados em local diverso do contratado. Supressio. Art. 330 do CC. Consignação em pagamento procedente. Recurso provido. O pagamento feito em outro lugar faz presumir renúncia do credor/requerido ao previsto no contrato. “Corroborando com o princípio da boa-fé e com a possibilidade jurídica da supressio, o art. 330 do CC estabelece que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato” (...). (TJMS, Ap. Cível n. 08008821720188120024, 3ª Câm. Cível, rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, j. 19.08.2019, DJe 20.08.2019)
Peluso, Cezar. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência 15a ed. 2021. Editora Manole, 2021
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DESDOBRAMENTOS DA BOA FÉ OBJETIVA
Ne Venire contra factum proprium, Supressio, Surrectio,Tu quoque (vide Luiza Nadin)
Duty to mitigate the loss:“o dever de mitigar o próprio prejuízo”;
culpa in contrahendo: violação dos preceitos da boa-fé que atua na fase pré-contratual;
culpa post pactum finitum: violação na fase pós-contratual;
exceptio doli : defesa do réu contra ações dolosas;
substancial performance: adimplemento substancial;
Nachfrist: extensão de prazo por colaboração entre as partes, "prazos de graça".