SóProvas


ID
3004645
Banca
Prefeitura do Rio de Janeiro - RJ
Órgão
Prefeitura de Rio de Janeiro - RJ
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto: Zap


      Não faz muito que temos esta nova TV com controle remoto, mas devo dizer que se trata agora de um instrumento sem o qual eu não saberia viver. Passo os dias sentado na velha poltrona, mudando de um canal para outro — uma tarefa que antes exigia certa movimentação, mas que agora ficou muito fácil. Estou num canal, não gosto — zap, mudo para outro. Não gosto de novo — zap, mudo de novo. Eu gostaria de ganhar em dólar num mês o número de vezes que você troca de canal em uma hora, diz minha mãe. Trata-se de uma pretensão fantasiosa, mas pelo menos indica disposição para o humor, admirável nessa mulher.

      Sofre, minha mãe. Sempre sofreu: infância carente, pai cruel etc. Mas o seu sofrimento aumentou muito quando meu pai a deixou. Já faz tempo; foi logo depois que nasci, e estou agora com treze anos. Uma idade em que se vê muita televisão, e em que se muda de canal constantemente, ainda que minha mãe ache isso um absurdo. Da tela, uma moça sorridente pergunta se o caro telespectador já conhece certo novo sabão em pó. Não conheço nem quero conhecer, de modo que — zap — mudo de canal. “Não me abandone, Mariana, não me abandone!” Abandono, sim. Não tenho o menor remorso, em se tratando de novelas: zap, e agora é um desenho, que eu já vi duzentas vezes, e — zap — um homem falando. Um homem, abraçado à guitarra elétrica, fala a uma entrevistadora. É um roqueiro. Aliás, é o que está dizendo, que é um roqueiro, que sempre foi e sempre será um roqueiro. Tal veemência se justifica, porque ele não parece um roqueiro. É meio velho, tem cabelos grisalhos, rugas, falta-lhe um dente. É o meu pai.

      É sobre mim que fala. Você tem um filho, não tem?, pergunta a apresentadora, e ele, meio constrangido — situação pouco admissível para um roqueiro de verdade —, diz que sim, que tem um filho, só que não o vê há muito tempo. Hesita um pouco e acrescenta: você sabe, eu tinha de fazer uma opção, era a família ou o rock.

      A entrevistadora, porém, insiste (é chata, ela): mas o seu filho gosta de rock? Que você saiba, seu filho gosta de rock? Ele se mexe na cadeira; o microfone, preso à desbotada camisa, roça-lhe o peito, produzindo um desagradável e bem audível rascar. Sua angústia é compreensível; aí está, num programa local e de baixíssima audiência — e ainda tem de passar pelo vexame de uma pergunta que o embaraça e à qual não sabe responder. E então ele me olha. Vocês dirão que não, que é para a câmera que ele olha; aparentemente é isso, aparentemente ele está olhando para a câmera, como lhe disseram para fazer; mas na realidade é a mim que ele olha, sabe que em algum lugar, diante de uma tevê, estou a fitar seu rosto atormentado, as lágrimas me correndo pelo rosto; e no meu olhar ele procura a resposta à pergunta da apresentadora: você gosta de rock? Você gosta de mim? Você me perdoa? — mas aí comete um erro, um engano mortal: insensivelmente, automaticamente, seus dedos começam a dedilhar as cordas da guitarra, é o vício do velho roqueiro, do qual ele não pode se livrar nunca, nunca. Seu rosto se ilumina — refletores que se acendem? — e ele vai dizer que sim, que seu filho ama o rock tanto quanto ele, mas nesse momento zap — aciono o controle remoto e ele some.

Moacyr Scliar, “Zap”, in: Os cem melhores contos brasileiros do século. Sel. de Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, pág. 555. Adaptado.

Em “um instrumento sem o qual eu não saberia viver” (1º parágrafo), o verbo em destaque está flexionado no futuro do pretérito do indicativo. Assim como nesse contexto, o uso desse tempo verbal indica hipótese em:

Alternativas
Comentários
  • percebe que detestaria ouvir.. ou seja há uma possibilidade dele ouvir a resposta do pai = hipotese

  • Gabarito letra B. Levei um tempo até conseguir encontrá-la. Todavia, notem que é uma hipótese o narrador não querer ouvir a reposta, por isso muda de canal. As outras respostas não se encaixam no que pede a questão.

    Qualquer erro notifiquem-me, por favor.

    #PERTENCEREMOS

  • GABARITO LETRA "B"

    Acrescentando:

    Observem que em “um instrumento sem o qual eu não saberia viver” (1º parágrafo), há dois verbos "saberia viver".

    A única letra que possui dois verbos é a letra "B" ("detestaria ouvir")

  • O futuro do pretérito é usado para:

    a) indicar um fato posterior (normalmente hipotético) a um fato passado: "decidiu que insistiria..."

    b) Gabarito

    c) indicar um fato posterior (normalmente hipotético) a um fato passado: "afirmou... que renunciaria";

    d) ???

    Não entendo o porquê de a "d" estar incorreta. Para mim trata-se de uma consequência hipotética (ou seja, de uma hipótese) atrelada a uma condição.

  • Sobre a alternativa D, trata-se do uso do futuro do pretérito como forma polida de presente, que em geral denota desejo. Por isso não indica hipótese. O mesmo acontece quando a gente chega num restaurante e diz: “Eu gostaria...” em vez de “Eu quero...”, pura educação ou polidez.
  • Errei essa questão na prova ! Fiquei na dúvida entre letra B ou D no final troquei pela D . Maldição do gabarito trocado ;(;(

  • " narrador percebe que detestaria ouvir a resposta mentirosa do pai."

    Ele só detestaria se o pai falasse alguma mentira, mas se ele contar a verdade, o narrador não iria detestar. ( detestar é uma possibilidade, pois talvez não ocorra).

  • GABARITO B

    Questão que exige um nível da semântica do verbo conjugado no futuro do pretérito do indicativo

    Alguns colegas já comentaram de forma aparatosa, mas mesmo assim irei tentar buscar uma forma compactada com todas as alternativas.

    “um instrumento sem o qual eu não saberia viver” (Locução verbal formada por verbo auxiliar conjugado no futuro do pretérito + verbo principal no infinitivo) dando intenção hipotética.

     Assim como nesse contexto, o uso desse tempo verbal indica hipótese em(precisamos achar uma alternativa que se justifique pelo mesmo motivo que o período modelo que nos foi dado)

    a)A entrevistadora decidiu (fato passado) que insistiria(fato futuro) na pergunta até obter resposta.

    R: Indica um fato posterior (normalmente hipotético) a um fato no passado 

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    b)O narrador percebe que detestaria ouvir a resposta mentirosa do pai.GABARITO

    R:(Locução verbal formada por verbo auxiliar conjugado no futuro do pretérito + verbo principal no infinitivo) dando intenção hipotética.

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    c)O pai afirmou(fato passado), com convicção, que jamais renunciaria(fato futuro) ao rock.

    R: Indica um fato posterior (normalmente hipotético) a um fato no passado 

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    d)A mãe gostaria(GOSTA)que ele não mudasse tantas vezes os canais de tevê.

    R:Utilizado em forma polida com o intuito de indicar uma forma de desejo alternativo ao Presente do Indicativo.

    OBS:O verbo ouvir não forma locução quando junto de verbos no gerúndio e no infinitivo.

  • questão de sair correndo!!!

  • De forma resumida, tentarei oferecer o meu raciocínio.

    Lendo cada uma das alternativas, tentei perceber a forma factual e hipotética. O verbo no futuro do pretérito tem valor hipotético (quando lido sozinho). Porém, dentro de cada contexto, faço uma relação factual do mesmo. Pode demosntrar certeza, ou algo que já ocorreu.

    Em se tratando de hipótese, tento enxergar aquilo que ainda vai acontecer ou no caso o personagem do texto deseja que fosse corrido/feito.

    Espero ter ajudado. Bons estudos!

  • A letra B é a única sucedida por um verbo no infinitivo, assim como acontece com a palavra do enunciado. E quando analisamos as demais alternativas, vemos que elas destoam do enunciado quando analisamos os seus contextos.

  • verbo ouvir verbo viver ambos no no infinitivo
  • o modo mais fácil de resolver está questão, no meu caso, é jogando para o presente do modo subjuntivo. E deu certo!

    assertiva de letra "B"

    caso eu esteja errado, por favor, corrija-me.