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ID
3093397
Banca
VUNESP
Órgão
Prefeitura de Buritizal - SP
Ano
2018
Provas
Disciplina
Direito Civil
Assuntos

José firmou com Maria o contrato de prestação de serviços jurídicos com a previsão de correção monetária anual. Sucede que, durante os seis anos de validade do contrato, José não buscou reajustar os valores, o que só foi perseguido mediante ação de cobrança após a rescisão contratual. Diante desta questão, podemos afirmar corretamente que:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: E

     A proibição do venire contra factum proprium ou teoria dos atos próprios visa proteger a parte contra aquele que deseja exercer um status jurídico em contradição com um comportamento assumido anteriormente. 

    O instituto da supressio decorre do princípio da boa-fé objetiva e significa o desaparecimento de um direito, não exercido por um lapso de tempo, de modo a gerar no outro contratante a expectativa de que não será mais exercido.

  • O examinador explora, por meio de um estudo de caso, o conhecimento do candidato acerca do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro sobre o instituto da Boa-fé objetiva, tema de grande relevância nas relações contratuais. Diante desta questão, pede a alternativa CORRETA:

    A) INCORRETA. É devida a pretensão de José, na forma em que foi pactuada, por ser cláusula expressa contratual. 

    A pretensão de José não é devida, tendo em vista que, o não exercício de seu direito em momento oportuno, independente de ser uma cláusula expressa contratual, gerou renúncia tácita em relação aos valores, criando para Maria a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. Aplicar-se-á então, no presente caso, o instituto da supressio.

    B) INCORRETA. É devida a pretensão de José, uma vez que não houve renúncia expressa de seu direito e Maria estaria agindo contra o princípio da boa-fé.  

    Conforme visto, a pretensão de José não é devida, tendo em vista que, o não exercício de seu direito em momento oportuno gerou renúncia tácita em relação aos valores, criando para Maria a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. Aplicar-se-á então, no presente caso, o instituto da supressio, entendida como a supressão, por renúncia tácita (a renúncia não é expressa), de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos.

    C) INCORRETA. É devida a pretensão de José, por ter criado a si próprio onerosidade efetiva.

    Consoante dito, a pretensão de José não é devida, tendo em vista que, o não exercício de seu direito em momento oportuno, independentemente de onerosidade efetiva, gerou renúncia tácita em relação aos valores, criando para Maria a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. Aplicando-se então, no presente caso, o instituto da supressio.

    D) INCORRETA. Não é devida a pretensão de José, porque esta modalidade contratual exige notificação da parte contrária da mudança das cláusulas contratuais pactuadas na confiança.  

    Embora não seja devida a pretensão de José, esta não se dá em razão da modalidade contratual exigir notificação da parte contrária da mudança das cláusulas contratuais, pois pelo instituto da supressio, a perda do direito ou de uma posição jurídica se dá justamente pelo seu não exercício no tempo, de forma tácita, independente de notificação (renúncia expressa).

    E) CORRETA. Não é devida a pretensão de José, porque ele criou para Maria a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.   

    Para fins de ampla compreensão do estudo de caso, o candidato deve se pautar que os contratantes devem sempre se pautar nos princípios de probidade e boa-fé. Esta inclusive é a previsão contida no Código Civil. Senão vejamos:

    Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé

    E ainda, o enunciando n. 26 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, in verbis: 

    “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes".  

    Segundo Flávio Tartuce, em seu Manual de Direito Civil, quanto à função integrativa da boa-fé, se fazem pertinentes a compreensão de alguns dos conceitos parcelares da boa-fé objetiva, advindos do Direito Comparado e retirados da obra do jurista lusitano Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, dentre eles, a supressio e surrectio. Vejamos: 

    "A supressio (Verwirkung) significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. Seu sentido pode ser notado pela leitura do art. 330 do CC, que adota o conceito, eis que “o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato". Ilustrando, caso tenha sido previsto no instrumento obrigacional o benefício da obrigação portável (cujo pagamento deve ser efetuado no domicílio do credor), e tendo o devedor o costume de pagar no seu próprio domicílio de forma reiterada, sem qualquer manifestação do credor, a obrigação passará a ser considerada quesível (aquela cujo pagamento deve ocorrer no domicílio do devedor). Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa supressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio (Erwirkung), direito este que não existia juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo com os costumes. Em outras palavras, enquanto a supressio constitui a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo; a surrectio é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes."
     
    Assim,  verifique que no caso em comento não é devida a pretensão de José, porque ele criou para Maria a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa, dado que, durante os seis anos de validade do contrato, José não buscou reajustar os valores.

    O Superior Tribunal de Justiça inclusive já aplicou a supressio para hipótese de cobrança de correção monetária em contrato de mandato judicial, concluindo que o seu não exercício em momento oportuno geraria renúncia tácita em relação aos valores. Vejamos a publicação no Informativo n. 478 daquela Corte Superior: 

    Correção monetária. Renúncia. O recorrente firmou com a recorrida o contrato de prestação de serviços jurídicos com a previsão de correção monetária anual. Sucede que, durante os seis anos de validade do contrato, o recorrente não buscou reajustar os valores, o que só foi perseguido mediante ação de cobrança após a rescisão contratual. Contudo, emerge dos autos não se tratar de simples renúncia ao direito à correção monetária (que tem natureza disponível), pois, ao final, o recorrente, movido por algo além da liberalidade, visou à própria manutenção do contrato. Dessarte, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão de exigir retroativamente a correção monetária dos valores que era regularmente dispensada, pleito que, se acolhido, frustraria uma expectativa legítima construída e mantida ao longo de toda a relação processual, daí se reconhecer presente o instituto da supressio (STJ, REsp 1.202.514/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.06.2011). 

    Gabarito do Professor: letra "E".  

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

    Código Civil - Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, disponível em: Site Portal da Legislação - Planalto. 

    TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 922. 

    Jurisprudência disponível no Site do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
  • Típico exemplo de incidência da SUPRESSIO, desdobramento do princípio da boa-fé, em que há a supressão de um direito pelo seu não exercício por certo lapso temporal, criando, na outra parte, a legítima expectativa de imutabilidade da situação.

  • Informativo n. 478 do STJ: “Correção monetária. Renúncia. O recorrente firmou com a recorrida o contrato de prestação de serviços jurídicos com a previsão de correção monetária anual. Sucede que, durante os seis anos de validade do contrato, o recorrente não buscou reajustar os valores, o que só foi perseguido mediante ação de cobrança após a rescisão contratual.

    Contudo, emerge dos autos não se tratar de simples renúncia ao direito à correção monetária (que tem natureza disponível), pois, ao final, o recorrente, movido por algo além da liberalidade, visou à própria manutenção do contrato. Dessarte, o princípio da boa­fé objetiva torna inviável a pretensão de exigir retroativamente a correção monetária dos valores que era regularmente dispensada, pleito que, se acolhido, frustraria uma expectativa legítima construída e mantida ao longo de toda a relação processual, daí se reconhecer presente o instituto da supressio” (STJ, REsp 1.202.514/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.06.2011).