SóProvas


ID
3106858
Banca
VUNESP
Órgão
PM-SP
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.


                                   [19 maio de 1888]


      Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.

      Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.

      Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.

      No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:

      – Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...

      – Oh! meu senhô! fico...

      – Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...

      – Artura não qué dizê nada, não, senhô...

      – Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.

      – Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

      Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

                   (Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)

1 après coup: [francês] pós-golpe.

2 post factum: [latim] depois do fato.

Alinhado com a escrita realista do século XIX, o texto caracteriza-se

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA B

    ? pelo emprego do português culto para expressar uma visão crítica da sociedade.

    ? Há uma linguagem rebuscada e culta, por trás da história, o grande Machado de Assis denuncia a falsa liberdade, criticando que, mesmo após a alforria, o pobre Pancrácio continuava preso e sendo mal tratado.

    ? Planejamento Completo nos estudos grátis: http://3f1c129.contato.site/plangestaoestudost2

    FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • Não entendi essa questão, não há linguagem culta no diálogo, entendo totalmente coloquial. Ótimo quem acertou, eu não entendi.

  • não há garantias de um português culto, pois o pancrácio fala de forma regional ou coloquial.

  • O pega esta no enunciado da questão escrita realista do século XIX!!!

  • a) pelo ponto de vista imparcial do autor ao denunciar as mazelas da aristocracia.

    Incorreta. Não há ponto de vista imparcial, mas sim parcial, pois o autor se posiciona sobre os problemas sociais e sobre a postura da elite aristocrática.

    b) pelo emprego do português culto para expressar uma visão crítica da sociedade.

    Correta. A escrita realista utiliza o português culto e tem a característica de expor uma crítica sobre a sociedade.

    c) como prosa regionalista, com o intuito de exaltar a diversidade cultural.

    Incorreta. Não se trata de uma prosa regionalista.

    d) pelo formalismo na defesa entusiasmada dos valores liberais e capitalistas.

    Incorreta. Não há defesa de ideais capitalistas na crônica.

    e) como prosa intimista, dedicada à defesa de teses do positivismo.

    Incorreta. Não há a defesa de teses positivistas.

    Gabarito do professor: B
  • Sacanagem essa questão hein!
  • "aceitou até um peteleco "- português culto onde?

  • As falas do Pancrácio são totalmente informais, ainda por cima a letra "d" fala sobre o positivismo, tendo em vista o positivismo literário no brasil em 1889 (próxima à data do texto) fica muito fácil cair nessa questão.

  • "Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo"

    Esse trecho justifica a visão crítica da sociedade, contudo não concordo com o termo "português culto".

  • A Chave dessa questão não é a interpretação do texto, e sim o conhecimento da escola literária e do respectivo autor. Machado de Assis iniciou oque é classificado como REALISMO, e uma das características dessa escola literária é a crítica da sociedade e seu comportamento outro aspecto importante é a Linguagem culta, descritiva e detalhada.