- ID
- 3129478
- Banca
- VUNESP
- Órgão
- Prefeitura de Serrana - SP
- Ano
- 2018
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Uma amiga me disse que em alguns cursos da Universidade de Princeton o celular e o iPad foram proibidos porque
os estudantes filmavam e fotografavam as aulas, ou simplesmente brincavam com joguinhos eletrônicos. A proibição
do uso de aparelhos eletrônicos em sala de aula numa das
maiores universidades dos Estados Unidos e do mundo não
é nada desprezível. O celular na palma da mão desconcentra
o estudante e abole uma prática antiga: a caligrafia.
Dos milenares hieróglifos egípcios gravados em pedra e
palavras escritas em pergaminho à mais recente prescrição
médica, a caligrafia tem uma longa história. Mas essa história – que marca uma forte relação da palavra com o gesto da
mão – parece fenecer com o advento do minúsculo teclado
e sua tela.
Lembro uma entrevista radiofônica com Roland Barthes,
em que o grande crítico francês dizia que as correções das
provas tipográficas dos romances de Balzac pareciam fogos
de artifícios. É uma bela imagem do efeito estético da caligrafia no papel impresso, da relação do corpo com a escrita,
as letras que vêm da mão, e não da máquina. Quando pude
ver essas páginas numa exposição de manuscritos, fiquei
impressionado com a metáfora precisa de Barthes, e admirado com a obsessão de Balzac em acrescentar, cortar e
substituir palavras e frases, e alterar a pontuação, como se a
respiração e o tempo da leitura fossem – como de fato são –
importantes para o ritmo da escrita.
Mas há beleza também na caligrafia torta e hesitante de
uma criança, numa carta de amor escrita a lápis ou à tinta,
na mensagem pintada à mão no para-choque de um caminhão, nas paredes de banheiros públicos, no muro grafitado
da cidade poluída, nada impoluta.
Na mão que move a escrita há um gesto corporal atávico, um desejo da nossa ancestralidade, que a maquininha
subtrai, ou até mesmo anula. Ainda escrevo alguns textos à
mão, antes de digitá-los no computador. No trabalho diário
de um jornalista, isso é quase impossível, mas na escrita de
uma crônica, pego a caneta e o papel e exercito minha pobre
caligrafia.
(Milton Hatoum. “Linguagem da mão”.
https://oglobo.globo.com, 11.08.2017. Adaptado)
Ao afirmar que a longa história da caligrafia “parece
fenecer com o advento do minúsculo teclado e sua tela”,
o autor, ao usar o vocábulo fenecer, quer dizer que