Texto para a questão
PARDAIS NOVOS
Um dia o meu telefone, instalado à cabeceira de minha cama, retiniu
violentamente às sete da manhã. Estremunhado tomei do receptor e ouvi do
outro lado uma voz que dizia: “Mestre, sou um pardal novo. Posso ler-lhe uns
versos para que o senhor me dê a sua opinião?” Ponderei com mau humor ao
pardal que aquilo não eram horas para consultas de tal natureza, que ele me
telefonasse mais tarde. O pardal não telefonou de novo: veio às nove e meia
ao meu apartamento.
Mal o vi, percebi que não se tratava de pardal novo. Ele mesmo como que
concordou que o não era, pois perguntando-lhe eu a idade, hesitou contrafeito
para responder que tinha 35 anos. Ainda por cima era um pardal velho!
Desde esse dia passei a chamar de pardais novos os rapazes que me
procuram para mostrar-me os seus primeiros ensaios de voo no céu da poesia.
Dizem eles que desejam saber se têm realmente queda para o ofício, se vale a
pena persistir etc. Fico sempre embaraçado para dar qualquer conselho. A
menos que se seja um Rimbaud ou, mais modestamente, um Castro Alves, que
poesia se pode fazer antes dos vinte anos? Como Mallarmé afirmou certa vez
que todo verso é um esforço para o estilo, acabo aconselhando ao pardal que
vá fazendo os seus versinhos, sem se preocupar com a opinião de ninguém,
inclusive a minha.
(...)
Manuel Bandeira, Melhores crônicas. Global Editora.
Sabendo-se que “alegoria consiste em uma metáfora que, em um dado
contexto, desdobra-se em outras”, pode-se apontar o emprego desse
recurso, sobretudo, no seguinte trecho do texto: