SóProvas


ID
3219763
Banca
VUNESP
Órgão
Prefeitura de Rio Claro - SP
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o texto para responder à questão.

    Outro dia, mostrei uma máquina de escrever a um grupo de adolescentes. Observaram, depois tocaram o pequeno objeto azul e prateado que jazia ao lado do estojo preto.
    “Isso aí imprime?” Você escreve e imprime ao mesmo tempo, respondi.
    A fita era velha, do século passado; mesmo assim, datilografei cinco letras: as marcas cinzentas na folha branca formaram a palavra “tempo”. Eles riram, examinando o objeto como se fosse um totem. Mas não era nem foi um totem, e sim uma musa sempre presente, inseparável. Com ela saí do Brasil numa noite da década de 1970; moramos juntos num quartinho em Madri.
    “E se você quiser cortar umas frases…? Tem que escrever tudo de novo?” Sim, tudo de novo. “Perda de tempo”, resmungou um menino, impaciente.
    Mas naquela época ainda se perdia tempo, pensei. E o tempo perdido parecia fora do tempo, que é o tempo do sonho e do prazer.
    Recordei as primeiras aulas de datilografia no porão de uma casa manauara, perto do Luso Sporting Clube. Eu era o único curumim* numa sala de cunhantãs*, mas isso não me envergonhava. E ali, entre o Luso e a Escola Normal, moravam duas irmãs, amigas de minha irmã. A mais nova, rechonchuda e baixinha, sorria com uma alegria solar; parecia desconhecer a angústia e a aspereza da vida. É provável que uma pessoa muito deprimida, ao lado dela, encontrasse algum sentido à vida. Mas eu não era esse deprimido, e sim um tímido fascinado pela irmã dessa Eufrosina do Amazonas.
    Alta e esguia, essa irmã mais velha era séria, fechada feito um cofre. Não sabia, até hoje não sei o que guardava aquele cofre. Eu emergia do porão e passava em frente à casa das duas irmãs, com a esperança de ver o rosto misterioso na varanda. Quando dava sorte, o rosto olhava para mim e sorria, mas era um sorriso também guardado, talvez condescendente: os lábios se separavam e se alongavam um pouco, e eu via nessa morosa dança labial uma remota promessa de amor. O tempo me revelou que era apenas um aceno para o irmão de uma amiga.
    Mal sabe ela quantos poemas escrevi para o seu sorriso, o rosto e o corpo inteiro. Poemas e cartas datilografados no porão mais úmido de Manaus, onde eu cruzava a fronteira da infância com a juventude: fronteira imaginária, mas a travessia era real, com seus perigos e prazeres.
    A barulheira dos jovens ao redor me tirou desse devaneio. Dedos fortes batiam no teclado e escreviam letras invisíveis. Mais um pouco, arrebentariam a musa de metal. Não sabem datilografar, esses moleques. E ainda não sabem nada do amor… Mas será que alguém sabe, de verdade?
(Milton Hatoum. O Estado de S.Paulo.17.06.2016. Adaptado)

* curumim e cunhantã, palavras de origem tupi que designam, respectivamente, menino, criança e menina, mulher.

Segundo o texto, é correto afirmar que

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA C

    A) o autor reporta-se ao passado porque o presente incomoda-o, mas os adolescentes sabem aproveitá-lo eficazmente ? incorreto, ele entra em um estado de nostalgia, o presente não o incomoda.

    B) os adolescentes, ainda que sejam muito jovens, tal como o autor, sentem prazer em rememorar os acontecimentos do passado ? incorreto, o autor não é mais jovem, apenas se lembra de fatos passados.

    C) o autor transita pelo passado e ressignifica o presente, enquanto que os adolescentes vivem o que o momentâneo lhes oferece ? correto, o autor tem memórias de seu tempo de aprendiz, enquanto os adolescentes cultivam apenas o momento presente.

    D) o autor, com o intuito de ensinar aos adolescentes o cultivo do passado, conta-lhes sobre as aulas de datilografia no porão da casa manauara ? incorreto, é apenas uma vivência interna do autor, ele não expõe aos garotos.

    E) os adolescentes aprendem com o autor como preservar as memórias do passado e, para isso, eles usam a máquina de datilografia. ? incorreto, os adolescentes veem a máquina como algo ultrapassado, não lhe dando valor.

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  • Assertiva C

    o autor transita pelo passado e ressignifica o presente, enquanto que os adolescentes vivem o que o momentâneo lhes oferece.