SóProvas


ID
3221833
Banca
CIEE
Órgão
SPTrans
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Crise de sensatez

    É possível que o que vou dizer nesta crônica espante o leitor como espantou a mim, ao pensá-lo. É que nunca o pensara antes, nem supunha que tal pensamento me ocorresse um dia, a sério. Foi o seguinte: pensei que é melhor ser louco que sensato, como sou.
    Refiro-me ao louco de fato, não estou usando de metáfora, como quando se diz “Fulano é loucão”. Nada disso, falo do cara que ouve vozes e acredita que o porteiro do prédio sequestra meninas, mata-as, cozinha-as em grandes panelas que tem em sua casa e as come. Refiro-me ao sujeito que é pirado mesmo, necessitando de internações e remédios. Doido varrido.
    Mas por que isso, por que achar que ser doido é melhor do que ser normal? Simplesmente porque o doido inventa a existência como lhe apraz, sem dar bola para o que nós outros chamamos de realidade.
    Não é só isso, porém, ou melhor, isso não é o principal motivo de minha opção preferindo a loucura à normalidade. A razão mesmo é que a visão dita normal não explica a realidade, irredutível a ela.
    Por exemplo, alguém é capaz de dizer por que existe o mundo em vez de nada? Ninguém sabe a resposta a essa pergunta. E outra: houve um tempo em que nada existia, antes de haver o universo? É impossível imaginar um tempo em que nada existia. Ou seja, a sensatez não explica a existência e muito menos a não existência.
    Veja bem, essas perguntas são feitas por gente sensata, ou seja, quem as formula é quem pretende reduzir a existência do mundo a explicações objetivas e compreensíveis. Quem não quer entender, não faz perguntas. Isto é, só os sensatos as fazem; os loucos, não. Se fazem algumas perguntas, são outras, insensatas, e as respostas que encontram são mais loucas ainda.
    Não consigo impedir que certas perguntas me perturbem. Por exemplo, o sistema solar mais próximo da Terra está a uma distância de 4,3 anos-luz, ou seja, a distância que a luz percorre à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo. Como nenhuma nave pode viajar à velocidade da luz, porque se desintegraria, viraria luz, jamais algum habitante da Terra poderá chegar àquele sistema solar. Mesmo que viajasse a 300 mil quilômetros por hora, levaria séculos para chegar lá. O que dizer dos sóis que estão a 1 milhão ou 2 milhões de anos-luz? Ou seja, o universo existe apenas para ser contemplado por nós, de longe.
    Mas é o de menos. Pensa só nisto: o nosso sistema solar, com todos os planetas que o constituem, e os satélites e tudo o mais, equivale a 2% da massa total do Sol, que é uma estrela de quinta grandeza; quer dizer, não é das maiores.
    Só na Via Láctea, há bilhões de outros sóis e, no universo, há bilhões de galáxias infinitamente maiores que a Via Láctea, com bilhões e bilhões de sóis. Dá para entender isso? Pode alguém achar que a mente humana é capaz de explicar um troço como esse, que excede toda e qualquer possibilidade de abranger e compreender? Não resta dúvida de que o universo, por suas incomensuráveis dimensões, está para além da compreensão humana. Concorda comigo ou não? Claro que concorda. Se não concorda, o doido é você.
    Mas, tudo bem, esqueça as galáxias e me explica a existência desta pequenina aranha que surgiu presa ao filtro de parede na minha cozinha. Ela é minúscula e sua teia tão tênue que nem sequer consigo vê-la. Só sei que a teia existe porque a aranha não poderia estar suspensa no ar sem nada em que se apoiasse.
    A aranha não é igual à barata nem ao rato, já que, além do mais, são maiores que ela, têm outra forma e não produzem teia, que, quase invisível, é uma armadilha mortal para os insetos. Foi a aranha quem bolou essa armadilha, quem a inventou? Se não foi ela, quem foi então? Não me diga que foi Deus, porque essa é a resposta que facilmente explica tudo.
    A verdade é que não dá para entender, a existência não tem explicação, e o que não tem explicação é absurdo. Absurdo para quem, sensato como eu, quer entendê-la. Já o louco não busca explicações sensatas. Inventa alguma tão absurda quanto o próprio universo. Enfim, a existência é a existência, não precisa de lógica. E é, por isso mesmo, maravilhosa.

(Ferreira Goulart. Caderno Ilustrado do Jornal Folha de São Paulo. Julho de 2013.)

Em “Não é só isso, porém, ou melhor, isso não é o principal motivo de minha opção preferindo a loucura à normalidade.” (4º§), o acento indicativo foi devidamente aplicado. Tal fato NÃO ocorre em:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA A

    A) Disse à ela que houve um tempo em que nada existia ? disse algo a alguém (somente a preposição é correta antes do pronome pessoal "ela" ? a ela).

    B) À noite o universo pode ser contemplado com mais detalhes ? adjunto adverbial de tempo com base feminina, uso da crase correto.

    C) Não gosto de ficar próximo às pessoas incrédulas e irredutíveis ? ficar próximo a alguém (preposição "a") + artigo definido "as" que acompanha o substantivo feminino "pessoas" (=crase ? às pessoas).

    D) Fui até à janela observar o sol: nossa estrela de quinta grandeza ? fui até algum lugar ou a algum lugar (uso de crase facultativo após a preposição "até").

    Baixe a Planilha de Gestão Completa nos Estudos Grátis: http://3f1c129.contato.site/plangestaoestudost3

    FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • Antes de pronome pessoal do caso reto e oblíquo não se usa crase.

  • Consegui assim: troquei o "à" pelo "para". Se for possível, não há crase, pois é só uma preposição.

  • "ela" é um dos pronomes que repelem a crase.

    Gab A

  • Diante de Pronome pessoal não há crase.

  • A questão exige conhecimento do assunto crase e quer que encontremos a única opção que o emprego aconteceu incorretamente.

    a) Em "Disse à ela...", não ocorre crase diante de pronome pessoal do caso reto. INCORRETA. 

    b) Em "À noite o universo", ocorre a crase antes de locução adverbial. CORRETA.

    c) Em "próximo às pessoas", temos a regência nominal + o artigo que acompanha a palavra PESSOAS, logo temos crase. CORRETA.

    c) Em "Fui até à janela", o verbo IR rege a preposição "a" e o nome JANELA aceita o artigo "a", assim ocasiona a crase. CORRETA.

    GABARITO A

  • CUIDADO

    Há comentários sobre a alternativa D que podem causar confusão.

    Na língua portuguesa temos três casos de facultatividade no uso de crase.

    Primeiro, quando temos nomes próprios femininos.

    Ex: Entreguei o presente a/à Joana.

    Segundo, quando temos pronome possessivo feminino e singular.

    Ex: Entreguei o presente a/à minha namorada.

    Terceiro, quando temos a preposição até seguida de substantivo feminino.

    Ex: Fui até a/à janela observar as estrelas. - é o caso da assertiva D.

    Não há incorreções na questão.