- ID
- 3327430
- Banca
- Gestão Concurso
- Órgão
- Prefeitura de São Joaquim de Bicas - MG
- Ano
- 2016
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
INSTRUÇÃO: Leia o texto a seguir para responder às
questões de 1 a 5.
Por quem os sinos dobram?
A morte é poderosa. Ela também assusta. Em primeiro
lugar, pelo óbvio: ela é universal e inevitável. É o conceito
final e, por isso mesmo, evitamos seu contato até no
nome. Dizer Dia de Finados já parece uma mistura de
português antigo e eufemismo. Os mexicanos vão direto
ao ponto: Dia de los Muertos.
Em segundo lugar, a morte produz arte. Duas das sete
maravilhas do mundo antigo são monumentos funerários:
as pirâmides do Egito e o túmulo do rei Mausolo em
Halicarnasso, que deu origem ao nome mausoléu. Ainda
que democrática e igualitária em si, a morte produz
desigualdades estéticas e de poder.
A Capela dos Ossos, em Évora (Portugal), choca a
sensibilidade contemporânea, mas foi pensada para ser
uma lembrança religiosa e moral. “Nós, ossos que aqui
estamos, pelos vossos esperamos.”
Em terceiro lugar, a morte está associada à fé. Grande
parte das religiões orbita em torno do nosso fim ou do
anseio de imortalidade. Na hora extrema, jainistas da
índia podem optar por uma morte pública e quase teatral.
Para católicos, são José (padroeiro da boa morte) se
oferece à alma devota como guia seguro.
Todo o cristianismo foi fundado em torno de dois conceitos
ligados à morte: Jesus morreu pela humanidade e,
ressuscitando, venceu a morte. Judeus consideram uma
ação positiva pertencer à Chevra Kadisha (sociedade
sagrada), que prepara o corpo e ampara a família.
Espíritas preferem o verbo desencarnar. Islâmicos
insistem na igualdade de todos em túmulos sem
ornamentos e, por vezes, até sem nome.
Por fim, a morte é uma grande inquietação filosófica.
Albert Camus pensou na morte como o “momento
absurdo” na sua análise do mito de Sísifo. O texto foi
escrito em pleno horror da Segunda Guerra.
A morte do filósofo Sócrates é retratada pelo pintor
Jacques-Louis David com a dignidade neoclássica do
momento que deu significado para toda uma vida. Para
o filósofo, a aceitação tranquila da morte era o sinal de
que havia sido coerente. Para nós que somos menos do
que Sócrates, o extremo da pobreza é não ter “onde cair
morto”. Morrer é o símbolo de toda a vida.
O conceito, porém, continua incômodo. Nos meios
urbanos ocidentais, a morte foi afastada da vista pública.
Não se vela mais em casa o corpo de entes queridos. Há
uma tanatofobia, um horror à morte, entre nós. A morte
tornou-se mais asséptica. Foi isolada em hospitais.
Quando ocorre em acidente público, corpos devem
ser imediatamente cobertos. A morte incomoda. Basta
começar a tocar nela e todos sentem um vago mal-estar.
Quase todos preferem trocar de assunto.
Alguns de nós foram criados em hábitos mais antigos,
como visitar cemitérios no Dia de Finados. Os jovens
de hoje raramente o fazem. Os jovens não querem ir
a enterros. Estão longe da morte e manifestam pouca
preocupação com ela.
Nós, mais velhos, também não gostaríamos de ir. A força
da obrigação e do hábito nos arrastam. Talvez por isto
tenhamos raiva da frase clássica de um adolescente ao
ser convidado a um velório: “Não gosto”. Como também
não gostamos, nos irritamos com a frase que desnuda,
sem culpa, nossa resistência.
Por que vamos? Em parte porque somos menos livres
do que os mais jovens. Talvez porque sejamos mais
solidários. Mas, em parte também, porque temos uma
ideia da finitude e da dor do luto. Ir a túmulos é um rito
de religação. Visitamos mortos por causa de nós, vivos.
Nós, os ossos que lá estaremos, ainda temos carne e
sangue e ainda choramos.
O Dia de Finados é o dia dos vivos, da fila que continua
andando, das duas questões que nos abalam: o quanto
sinto falta de quem se foi e o quanto temo ir. O vazio da
morte está impactando quem vive.
Os sinos dobram por nós, como o título que tomei
emprestado a Hemingway. Ouvi-los é estar vivo. Quando
eu parar de escutá-los isso não terá mais importância. O
Dia de Finados é nosso, dos que ainda podem ler este
texto. Repousemos em paz.
LEANDRO KARNAL, 52, é historiador e professor da Unicamp,
autor de ‘Pecar e Perdoar’ (Nova Fronteira)
KARNAL, Leandro. Por quem os sinos dobram? Savi
Advocacia. Disponível em:<http://www.fsavi.com/artigo>. Acesso em: 25 fev. 2016 (Adaptação).
Assinale a alternativa em que a palavra entre colchetes
não remeta à ideia geral da frase.