SóProvas


ID
3340858
Banca
IDECAN
Órgão
Prefeitura de Damianópolis - GO
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                    Sou todo ouvidos


      Passear com um cachorro todas as manhãs pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Ficou bonita esta frase! Parece abertura de TCC. Vou usá-la outra vez). Estabeleci com o Bruno – o vira-lata mais cordial da Serra – algumas rotinas e trajetos com variáveis em função do meu humor matinal e, principalmente, do humor dele. A verdade é que não passeamos com os cães; eles é que nos levam pra rua, puxando-nos por onde bem desejam. No meu caso, construí com o Bruno uma convivência amigável. Ou quase: às vezes discutimos sobre atravessar a rua em determinado ponto; fazer xixi nesta ou naquela árvore ou dar mais uma volta no gramado. Nem sempre venço e geralmente desisto, deixando-o rebocar-me à revelia.

      O melhor das manhãs é que vou colhendo pequenos fragmentos, cenas inteiras ou reprises do que escuto na rua. Numa das rotas passo bem cedo por um apartamento térreo onde já estão todos acordados. A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual. Curioso: os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs. Bruno ergue as orelhas e eu faço o mesmo, bisbilhotando a vida alheia que salta pra rua, em alto e bom som, exibindo-se sem pudores. Aperto o passo, mas é inevitável captar impropérios e troca de acusações. São sempre vozes masculinas. A mais eloquente é a de um homem mais velho. E as outras vozes, deduzo, são de rapazes. Um sermão matinal familiar? O pai de dois boêmios, plantado a madrugada inteira no sofá, fumando e vendo TV, à espera dos dois folgados que sempre chegam bêbados? Ou uma quadrilha de assaltantes batendo boca em torno da divisão de lucros, após uma noite de crimes? A paz não reina naquele apartamento. Um dia ainda estico o pescoço, boto o nariz na janela e decifro este caso que tanto me intriga.

      No quarteirão seguinte encontro o Profeta Simpatia. Batizei-o em segredo porque o cara nasceu pra isso. Noto que ele está a caminho do trabalho; tem o modelo de burocrata inofensivo com um terno surrado e uma pasta velha. Entretanto, está realmente em missão divina: salvar as almas incautas que cruzam seu trajeto de manhã – queiram elas ou não, o que complica um pouco, convenhamos. Dirige seu apostolado a gente simples: lavadores de carros, babás com bebês, domésticas voltando da padaria, pedreiros na entrada da obra. Sempre me cumprimenta, fazendo uma pausa nos horrores do inferno e na salvação do rebanho. Reduz o volume de sua voz grave e sorri, voltando às exortações logo que me afasto. Ele sabe que sou um pecador sem cura, jamais desperdiçaria tempo comigo.

      Na subida da avenida, quase à mesma hora, cruzo com a Dama do Celular. Lá vem ela muito bem vestida, perfumada, cheia de colares e usando sapatos de salto que ressoam apressados no cimento – toc, toc, toc! Fala altíssimo ao telefone e gesticula, inflamada. Imaginei duas opções: ou é uma executiva atarefadíssima a caminho do escritório, açoitando à distância um exército de empregados incompetentes; ou uma rica provedora do lar dando ordens à babá, chofer, seguranças, jardineiro e talvez até ao marido, aquele inútil que ainda dorme. Mais de uma vez escutei-a repetindo a frase ameaçadora: “Mas tem de ser pra hoje, tá ouvindo, fulano?”

      Nem sempre – e por isso felizmente – costumo deparar-me com o Casal Assustado das Oito. Avistam-me e afastam-se imediatamente para o meio da rua, de olho no Bruno, como se eu levasse pela coleira não um animal boa praça, mas um Dragão-de-komodo assassino. Deles escuto pouco. Resmungam qualquer censura, fazem cara feia e depois retornam à calçada. Não sei se o que os amedronta é mesmo o meu cachorro ou se já fomos protagonistas de algum sério entrevero numa encarnação passada.

      Passear com um cachorro pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Gostei da frase. Não disse que iria repeti-la?) No meio de barulhos matinais, há silêncios nos olhares perdidos voltados para os ipês da avenida. Ou no breve intervalo entre o sinal abrir e o motorista de trás meter a mão na buzina, violentando a calma da manhã. São silhuetas disfarçadas por vidros escuros. Caras preocupadas, inquietas, mãos a tamborilar nos volantes. Dormiram com seus problemas, tomaram café em companhia deles e seguem juntos para seus destinos. Preocupações corriqueiras: as contas do mês, o resultado daquele exame. A nota baixa do filho, a vida difícil. O amor que se foi ou o que ainda pode vir a ser. As encruzilhadas; as escolhas penosas, o dilema do faço-ou-não-faço. O silêncio é muito mais fácil de se ouvir.

(FABRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/sou-todo-ouvidos-1.1384729.)

“A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual.” (2º§) Quanto ao sujeito do verbo ouvir, é correto afirmar que

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA C

    ? ?A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual.? (2º§) 

    ? Quem ouve? Não se sabe; sujeito indeterminado (=terceira pessoa do singular + índice de indeterminação do sujeito "se").

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    ? FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • posso estar engando mas o verbo é Transitivo Direto: quem OUVE ouve algo ou alguma coisa.

    VTD+SE= Partícula apassivadora, em todo caso o sujeito seria paciente.

    Alguém me esclareça.

  • Cuidado!

    Não podemos tratar os tópicos da língua portuguesa como regras absolutas.

    Dentro de análise sintática o primeiro termo a ser identificado é o sujeito e logo após os complementos..

    quem ouve, ouve algo...

    o algo a ser ouvido = a discussão habitual

    Quem esta ouvindo ?

    Não tenho como determinar..

    O verbo também pode aparecer com verbos na 3ª pessoa do singular mais o pronome ‘se’.

    São exemplos: Trabalhase de dia, descansase à noite.”

    Vive-se bem aqui

    Não temos como determinar quem trabalha ou descasa.

    Não concordo com o Gabarito!

  • AFFFFFFFFFFFFFFFFF.. Temos mesmo que adivinhar !!

    "Aluga-se casa" - Esse é um exemplo comum quando ensinam sobre partícula apassivadora. Nele não dá pra determinar quem aluga e mesmo assim "casa" é o sujeito da oração. Porque nessa questão é diferente?????

    Então não faria sentindo existir o "se" como índice de indeterminação do sujeito o.O

  • V.I + se ---- indice de indeterminação do Sujeito

  • Na frase: "Os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs" que se encontra logo após a frase não estaria identificado o sujeito da frase não?

    Porque quando a afirmativa C) afirmou "pelo contexto" e retornei ao texto para analisar.

  • Amigos, esta questão está redondamente enganada, não desvalorizem seus estudos, não se distorçam pra justificar algo que não existe!

    Ouve-se(VTD + PA) a discussão habitual (sujeito paciente).

    Transpondo-se para a voz passiva analítica teremos: A discussão habitual é ouvida a dez metros da janela...

  • questão com duplo sentido, VERBO OUVE IGUAL A OUVIR, VERBO HOUVE IGUAL EXITIR, o verbo OUVE-SE, com o sentido de ouvir, mais a particula apassivadora SE seria um verbo transitivo direto e o objeto direto da oração se tranformaria, nesse caso, sujeito simples da oração

    OUVE-SE A DISCUÇÃO HABITUAL

    A DISCUÇÃO HABITUAL OUVE (escuta)

    portanto para mim a alternativa correta seria a A apresenta apenas um núcleo ligado ao verbo.

  • Pelo que eu estudei, para que se tenha índice de indeterminação do sujeito quando aplicada a partícula SE, será necessário que o verbo, conjugado em terceira pessoa do singular, seja VTI, VI ou VL. Pesquisei e confirmei que o verbo “ouvir”, no sentido empregado em questão, tem a função sintática de VTD. Mas, se analisarmos, o “ouve-se” e o próprio contexto nos dão uma indeterminação quanto ao sujeito, realmente. A lição que fica é: Português, quanto mais estudamos, menos entendemos.
  • Questão redondamente enganada!

  • Erradíssima!!!

    Gabarito letra A

    O SE e partícula apassivadora, logo "discussão habitual" é o sujeito. como possui apenas um núcleo, gabarito letra A de Aluno(a) dedicado(a), sua hora está chegando!

  • Verbo Ouvir transitivo direto não há como ser ser indeterminado no sentido empregado no texto mas a banca Idecan dita suas próprias regras.

  • Discordo do gabarito, questão de fácil modificação do gabarito, alternativa correta seria a A, essas bancas ficam querendo inventar moda, VTD+ SE(PA)= A SUJEITO PACIENTE.
  • Cuidado, pessoal!!!

    A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual

    Aqui, temos duas orações. Contudo, a questão pede a transitividade do verbo ouvir. Temos um verbo na terceira pessoa do singular. Ouvir é VTD é seu complemento é "a discussão habitual" Quem ouve? não consigo determinar, logo temos um sujeito indeterminado.

  • CUIDADO!

    Alguns colegas estão apenas justificando o gabarito erroneamente.

    1º) O verbo ouvir é VTD e portanto não cabe Índice de Indeterminação do Sujeito aqui.

    2º) Passando o trecho para a voz passiva analítica, tem-se o seguinte:

    (a) discussão habitual é ouvida.

    Nessa análise temos: "discussão habitual" como sujeito paciente e o verbo "ser" + particípio.

    3º) O que faz o gabarito ser a alternativa C é que a IDECAN considera o sujeito como sendo o Agente da Passiva (que é quem pratica a ação).

    -

    O gabarito deveria ser a alternativa A visto que o termo "discussão" é o único núcleo ligado ao verbo enquanto "habitual" é apenas um adjetivo.

    Obs.: o fato de a frase não possuir agente da passiva não faz com que ela deixe de ter sujeito. Ele está lá, a banca apenas não considera assim.

  • O sujeito aqui é paciente ...