SóProvas


ID
3469558
Banca
INSTITUTO AOCP
Órgão
UFFS
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Bons dias!


(Machado de Assis - publicada em 21 de janeiro de 1889)



            Vi não me lembra onde...

           É meu costume; quando não tenho que fazer em casa, ir por esse mundo de Cristo, se assim se pode chamar à cidade de São Sebastião, matar o tempo. Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos; um homem, uma tabuleta, qualquer coisa basta a entreter o espírito, e a gente volta para casa “lesta e aguda”, como se dizia em não sei que comédia antiga.

            Naturalmente, cansadas as pernas, meto-me no primeiro Bond que pode trazer-me a casa ou à Rua do Ouvidor, que é onde todos moramos. Se o Bond é dos que têm de ir por vias estreitas e atravancadas, torna-se um verdadeiro obséquio do céu. De quando em quando, para diante de uma carroça que despeja ou recolhe fardos. O cocheiro trava o carro, ata as rédeas, desce e acende um cigarro: o condutor desce também e vai dar uma vista de olhos ao obstáculo. Eu, e todos os veneráveis camelos da Arábia, vulgo passageiros, se estamos dizendo alguma coisa, calamo-nos para ruminar e esperar.

           Ninguém sabe o que sou quando rumino. Posso dizer, sem medo de errar, que rumino muito melhor do que falo. A palestra é uma espécie de peneira, por onde a ideia sai com dificuldade, creio que mais fina, mas muito menos sincera. Ruminando, a ideia fica íntegra e livre. Sou mais profundo ruminando; e mais elevado também.

           Ainda anteontem, aproveitando uma meia hora de Bond parado, lembrei-me não sei como o incêndio do club dos Tenentes do Diabo. Ruminei os episódios todos. Entre eles, os atos de generosidade tinham parte das sociedades congêneres; e fiquei triste de não estar naquela primeira juventude, em que a alma se mostra capaz de sacrifícios e de bravura. Todas essas dedicações dão prova de uma solidariedade rara, grata ao coração.

           Dois episódios, porém, me deram a medida do que valho, quando rumino. Toda a gente os leu separadamente; o leitor e eu fomos os únicos que os comparamos.

        Refiro-me, primeiramente, à ação daqueles sócios de outro club, que correram à casa que ardia, e, acudindo-lhes à lembrança os estandartes, bradaram que era preciso salvá-los. “Salvemos os estandartes!”, e tê-lo-iam feito, a troco da vida de alguns, se não fossem impedidos a tempo. Era loucura, mas loucura sublime. Os estandartes são para eles o símbolo da associação, representam a honra comum, as glórias comuns, o espírito que os liga e perpetua.

         Esse foi o primeiro episódio. Ao pé dele, temos o do empregado que dormia na sala. Acordou este, cercado de fumo, que o ia sufocando e matando. Ergueu-se, compreendeu tudo, estava perdido, era preciso fugir. Pegou em si e no livro da escrituração e correu pela escada abaixo.                  Comparai esses dois atos, a salvação dos estandartes e a salvação do livro, e tereis uma imagem completa do homem. Vós mesmos que me ledes sois outros tantos exemplos de conclusão. Uns dirão que o empregado, salvando o livro, salvou o sólido; o resto é obra de sirgueiro. Outros replicarão que a contabilidade pode ser reconstituída, mas que o estandarte, símbolo da associação, é também a sua alma; velho e chamuscado, valeria muito mais que o que possa sair agora’ novo, de uma loja. Compará-lo-ão à bandeira de uma nação, que os soldados perdem no combate, ou trazem esfarrapada e gloriosa.

        E todos vós tereis razão; sois as duas metades do homem, formais o homem todo... Entretanto, isso que aí fica dito está longe da sublimidade com que o ruminei. Oh! Se todos ficássemos calados! Que imensidade de belas e grandes ideias! Que saraus excelentes! Que sessões de Câmara! Que magníficas viagens de Bond! Boas noites!


(Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro http://www.bibvirt.futuro. usp.br.)

Na oração, “Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos”, a palavra SE pode ser corretamente classificada, na ordem em que aparece, como

Alternativas
Comentários
  • “Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos”

    O primeiro SE é uma conjunção subordinativa adverbial condicional, pois expressa sentido de condição.

    O segundo SE caracteriza um verbo pronominal, ou seja, que é conjugado com o pronome oblíquo atono.

    GABARITO. A

  • GABARITO: LETRA A

    ? Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos?

    ? O primeiro "se" (=conjunção subordinativa condicional, equivale a "caso"); o segundo "se" é uma parte integrante do verbo "meter-se".

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    ? FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • Primeiro SE=> CONDICIONAL

    Segundo SE=> INTEGRA AO VERBO

  • Assertiva A

    conjunção subordinativa e parte integrante do verbo.

  • A questão exige do candidato o reconhecimento de dois dos múltiplos papéis exercidos pela partícula "se".

    a) Correto. O primeiro "se" tem idêntico sentido abarcado pela conjunção "caso", isto é, o de condição; o segundo, é parte integrante do verbo pronominal "meter-se";

    b) Incorreto. A partícula "se" não se refere a nenhum sujeito, de modo que não pode ser pronome reflexivo; o segundo tampouco pode ser partícula apassivadora, uma vez que inexiste natureza passiva;

    c) Incorreto. É correta a afirmação de que o primeiro "se" é conjunção subordinativa, porém há erro na classificação do segundo: este não é índice de indeterminação do sujeito, pois se apresenta manifesto na estrutura;

    d) Incorreto. O primeiro "se", caso retirado, promoverá alteração na estrutura, portanto não é partícula expletiva, que, por sua vez, pode ser suprimida sem acarretar mudanças; quanto ao segundo, também há erro na definição, pois o "se" não se comporta como conjunção coordenativa;

    e) Incorreto. A primeira definição está correta, mas a segunda não, uma vez que o segundo "se" não introduz oração alguma.

    Letra A

  • Gabarito, a meu ver letra A, por falta de opção melhor.

    Mas o segundo "se" me soa mais como pronome reflexivo.

    Gabarito letra A!

  • Gabarito: A

    1º SE ➡ Conjunção subordinativa condicional

    2º SE ➡ Parte integrante do verbo pronominal

  • Bizu>>> troca o ''se'' por ''CASO'', SE FIZER SENTINDO É CONJUNÇÃO