SóProvas


ID
3658732
Banca
IDIB
Órgão
Prefeitura de Farroupilha - RS
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO 

Eloquência Singular


Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:

— Senhor Presidente: eu não sou daqueles que...

O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular:

— Não sou daqueles que...

Não sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem — que recusa?

— ele que tão facilmente caia nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que... Resolveu ganhar tempo:

— ...embora perfeitamente cônscio das minhas altas responsabilidades como representante do povo nesta Casa, não sou...

Daqueles que recusa, evidentemente. Como é que podia ter pensado em plural? Era um desses casos que os gramáticos registram nas suas questiúnculas de português: ia para o singular, não tinha dúvida. Idiotismo de linguagem, devia ser.

— ...daqueles que, em momentos de extrema gravidade, como este que o Brasil atravessa...

Safara-se porque nem se lembrava do verbo que pretendia usar:

— Não sou daqueles que...

Daqueles que o quê? Qualquer coisa, contanto que atravessasse de uma vez essa traiçoeira pinguela gramatical em que sua oratória lamentavelmente se havia metido de saída. Mas a concordância? Qualquer verbo servia, desde que conjugado corretamente, no singular. Ou no plural:

— Não sou daqueles que, dizia eu — e é bom que se repita sempre, senhor Presidente, para que possamos ser dignos da confiança em nós depositada...

Intercalava orações e mais orações, voltando sempre ao ponto de partida, incapaz de se definir por esta ou aquela concordância. Ambas com aparência castiça. Ambas legítimas. Ambas gramaticalmente lídimas, segundo o vernáculo:

— Neste momento tão grave para os destinos da nossa nacionalidade.

Ambas legítimas? Não, não podia ser. Sabia bem que a expressão "daqueles que" era coisa já estudada e decidida por tudo quanto é gramaticoide por aí, qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural:

— ...não sou daqueles que, conforme afirmava...

Ou ao singular? Há exceções, e aquela bem podia ser uma delas. Daqueles que. Não sou UM daqueles que. Um que recusa, daqueles que recusam. Ah! o verbo era recusar:

— Senhor Presidente. Meus nobres colegas.

A concordância que fosse para o diabo. Intercalou mais uma oração e foi em frente com bravura, disposto a tudo, afirmando não ser daqueles que...

— Como?

Acolheu a interrupção com um suspiro de alívio:

— Não ouvi bem o aparte do nobre deputado.

Silêncio. Ninguém dera aparte nenhum.

— Vossa Excelência, por obséquio, queira falar mais alto, que não ouvi bem — e apontava, agoniado, um dos deputados mais próximos.

— Eu? Mas eu não disse nada...

— Terei o maior prazer em responder ao aparte do nobre colega. Qualquer aparte.

O silêncio continuava. Interessados, os demais deputados se agrupavam em torno do orador, aguardando o desfecho daquela agonia, que agora já era, como no verso de Bilac, a agonia do herói e a agonia da tarde.

— Que é que você acha? — cochichou um.

— Acho que vai para o singular.

— Pois eu não: para o plural, é lógico.

O orador seguia na sua luta:

— Como afirmava no começo de meu discurso, senhor Presidente...

Tirou o lenço do bolso e enxugou o suor da testa. Vontade de aproveitar-se do gesto e pedir ajuda ao próprio Presidente da mesa: por favor, apura aí pra mim, como é que é, me tira desta...

— Quero comunicar ao nobre orador que o seu tempo se acha esgotado.

— Apenas algumas palavras, senhor Presidente, para terminar o meu discurso: e antes de terminar, quero deixar bem claro que, a esta altura de minha existência, depois de mais de vinte anos de vida pública...

E entrava por novos desvios:

— Muito embora... sabendo perfeitamente... os imperativos de minha consciência cívica... senhor Presidente... e o declaro peremptoriamente... não sou daqueles que...

O Presidente voltou a adverti-lo que seu tempo se esgotara. Não havia mais por que fugir:

— Senhor Presidente, meus nobres colegas!

Resolveu arrematar de qualquer maneira. Encheu o peito de desfechou:

— Em suma: não sou daqueles. Tenho dito.

Houve um suspiro de alívio em todo o plenário, as palmas romperam. Muito bem! Muito bem! O orador foi vivamente cumprimentado.

Fernando Sabino

Ao analisar a regência do verbo “levar” em “qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural:...”, pode-se afirmar que se trata de um verbo:

Alternativas
Comentários
  • A regência do verbo levar, quando bitransitiva, ou seja, no aspecto transitivo direto e indireto, significa passar de um lugar para outro. De acordo com o texto, apresentado pelo discurso do deputado, é possível notar grande confusão desse em relação às regras gramaticais, no seguinte trecho: "O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular..."

    Nesse sentido, o verbo levar como transportar, dentro do contexto, seria o de fazer passar de um lugar para o outro, no caso do verbo (que estaria em determinado sentido, por exemplo, no singular) ao plural (para outro sentido). Portanto, o verbo levar, na sua regência bitransitiva, deve ser entendido como aquele que passa de um lugar a outro, o que é bem representado no trecho em que se questiona se o verbo ia para o singular ou para o plural.

    Logo, ao analisar a regência do verbo “levar” em “qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural:...”, no sentido de transportar, o verbo só pode ter ido do singular ao plural, o que mostra que o interlocutor continua com a dúvida, sobre como estabelecer a concordância. Assim, é possível classificar sintaticamente: levar (VTDI) o verbo (OD) ao plural (OI).

  • A regência verbal trata da transitividade de verbo, que pode ser intransitivo (dispensa complementos verbais), transitivo direto (requer complemento verbal direto), transitivo indireto (requer complemento verbal indireto) ou ainda bitransitivo (requer concomitantemente um complemento verbal direto e outro indireto).

    Abaixo, algumas siglas a fim de atalhar a resolução:

    VTD: Verbo Transitivo Direto

    VTI: Verbo Transitivo Indireto

    VTDI: Verbo Transitivo Indireto

    VI: Verbo Intransitivo

    qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural:...”

    O termo a ser analisado é um VTDI, ou seja, reclama dois complementos verbais: objeto direto (o verbo) e um objeto indireto (ao plural), introduzido por preposição “a”. Dá-se o nome também de verbo bitransitivo.

    a) De ligação.

    Incorreto. Os verbos dessa natureza ligarão (como sugere o nome) o predicativo do sujeito ao sujeito. Estes verbos exemplificam-nos: estar, ser, permanecer, etc.;

    b) Intransitivo.

    Incorreto. Para ser intransitivo, não deveria apresentar objeto. Isso ocorre com verbos a exemplo do dormir, existir, morrer, etc.;

    c) Transitivo direto.

    Incorreto. Esses verbos apresentam apenas objeto direto, a exemplo do amar, comprar, buscar, etc. No caso em tela, há dois objetos: um direto, outro indireto;

    d) Transitivo indireto.

    Incorreto. Esses verbos apresentam apenas objeto indireto, a exemplo do crer, corresponder, cooperar, etc. No caso em tela, há dois objetos: um direto, outro indireto;

    e) Transitivo direto e indireto.

    Correto. Vide detalhamento inicial.

    Letra E

  • Moço, bora resumir:

    Quem leva, leva alguma coisa (OD) a algum lugar (OI).

    GABA: VTDI

  • A banca foi ligeira, colocou o "sempre" depois do verbo pra atrapalhar, mas ele poderia estar antes e aí sim o entendimento de objeto direto e indireto ficaria claro....

    "qualquer um sabia que SEMPRE levava o verbo ao plural"

  • qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural

    levava algo=verbo a algum lugar=ao plural