"Após os atentados de 2001, nos EUA, centenas de filmes, seriados e programas virtuais foram produzidos incentivando a insegurança e a ideia moral do outro como ameaça permanente. Não é preciso dizer quem é ele. 24 horas, um dos seriados de maior sucesso nos EUA, passado no Brasil, deixa isso evidente: na série, nenhum lugar do mundo é seguro; a qualquer momento, a vida pode se tornar um inferno pelas mãos do “mal”: terroristas, criminosos, traficantes. A política de tolerância zero e o Estado policial seguem essa lógica neofascista reproduzida nos EUA e na Europa, na discriminação contra os imigrantes, a exemplo das milícias populares na Itália; na perseguição aos ciganos, na França; e, no Brasil, na criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, e, na atual institucionalização da militarização do cotidiano pelo Estado, no combate ao narcotráfico."
"O filme brasileiro Tropa de elite, de 2007, que perdeu o Oscar para outro filme também violento cujo título é sugestivo — Por que os fracos não têm vez —, revela essa lógica. O violento treinamento físico e o condicionamento psi‑ cológico exigido dos integrantes do Bope (Batalhão de Operações Especiais) têm por finalidade a sua desumanização, o que significa incorporar a ideologia da guerra permanente, permitindo a suspensão de qualquer resquício de uma moralidade humanitária na consciência dos agentes: guerra é guerra. Diante dessa palavra‑chave, qualquer moral é suspensa: tudo é válido: os fins justificam os meios (Barroco, 2008)."
"Estudos sobre a violência no Rio de Janeiro (Batista, 2003a), apontam essa ideologia na guerra ao narcotráfico: uma herança da doutrina de segurança nacional usada na ditadura: a ideologia da guerra contra o inimigo interno. Na guerra atual o discurso é moral e religioso: a droga aparece como uma metáfora diabólica contra a civilização cristã: uma cruzada contra o mal, uma guerra santa contra o traficante herege (Idem, p. 40). Repete‑se a lógica do Bope: guerra é guerra."
Referência: scielo.br/pdf/sssoc/n106/n106a02.pdf