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ID
3742051
Banca
FCC
Órgão
Prefeitura de São José do Rio Preto - SP
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Atenção: Para responder à questão, considere a crônica abaixo. 


        Quando lhe disse que um vago conhecido nosso tinha morrido, vítima de tumor no cérebro, levou as mãos à cabeça:

        − Minha Santa Efigênia!

        Espantei-me que o atingisse a morte de alguém tão distante de nossa convivência, mas logo ele fez sentir a causa de sua perturbação:

        − É o que eu tenho, não há dúvida nenhuma: esta dor de cabeça que não passa! Estou para morrer.

        Conheço-o desde menino, e sempre esteve para morrer. Não há doença que passe perto dele e não se detenha, para convencê-lo em iniludíveis sintomas de que está com os dias contados. Empresta dimensões de síndromes terríveis à mais ligeira manifestação de azia ou acidez estomacal:

        − Até parece que andei comendo fogo. Estou com pirofagia crônica. Esta cólica é que é o diabo, se eu fosse mulher ainda estava explicado. Histeria gástrica. Úlcera péptica, no duro.

        Certa ocasião, durante um mês seguido, tomou injeções diárias de penicilina, por sua conta e risco. A chamada dose cavalar.

        − Não adiantou nada − queixa-se ele. − Para mim o médico que me operou esqueceu alguma coisa dentro de minha barriga.

        Foi operado de apendicite quando ainda criança e até hoje se vangloria:

        − Menino, você precisava de ver o meu apêndice: parecia uma salsicha alemã.

        No que dependesse dele, já teria passado por todas as operações jamais registradas nos anais da cirurgia: “Só mesmo entrando na faca para ver o que há comigo”. Os médicos lhe asseguram que não há nada, ele sai maldizendo a medicina: “Não descobrem o que eu tenho, são uns charlatães, quem entende de mim sou eu”. O radiologista, seu amigo particular, já lhe proibiu a entrada no consultório: tirou-lhe radiografia até dos dedos do pé. E ele sempre se apalpando e fazendo caretas: “Meu fígado hoje está que nem uma esponja, encharcada de bílis. Minha vesícula está dura como um lápis, põe só a mão aqui”.

        − É lápis mesmo, aí no seu bolso.

        − Do lado de cá, sua besta. Não adianta, ninguém me leva a sério.

        [...]

     Ultimamente os amigos deram para conspirar, sentenciosos: o que ele precisa é casar. Arranjar uma mulherzinha dedicada, que cuidasse dele. “Casar, eu?” − e se abre numa gargalhada: “Vocês querem acabar de liquidar comigo?” Mas sua aversão ao casamento não pode ser tão forte assim, pois consta que de uns dias para cá está de namoro sério com uma jovem, recém-diplomada na Escola de Enfermagem Ana Néri.


(SABINO, Fernando. As melhores crônicas. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012, p. 71-72) 

A personificação é um recurso expressivo que consiste em atribuir propriedades humanas a uma coisa, a um ser inanimado ou abstrato. Verifica-se a ocorrência desse recurso expressivo no seguinte trecho: 

Alternativas
Comentários
  • A resposta correta é a letra A, pois na alternativa atribui-se a doença (coisa) a capacidade de passar perto do personagem e de convencê-lo de algo, características que são de pessoas, seres humanos.

  • A questão exige conhecimentos sobre figuras de linguagem e interpretação textual. Como pontuado no comando da questão, a personificação (conhecida também como prosopopeia) é um recurso utilizado para intensificar a expressividade por meio da associação de características humanas a um objeto ou a um ser abstrato. Vejamos:
    A) Não há doença que passe perto dele e não se detenha, para convencê-lo em iniludíveis sintomas de que está com os dias contados (5º parágrafo) 
    Os verbos empregados “deter-se" e “convencer" referem-se à doença. Por serem verbos que expressam ação consciente e direcionada, não podem ser aplicados para uma moléstia como é uma doença. Sendo assim, há uma personificação de algo inanimado. CORRETO.
    B) Espantei-me que o atingisse a morte de alguém tão distante de nossa convivência, mas logo ele fez sentir a causa de sua perturbação (3º parágrafo) 
    Não há no trecho nenhuma figura de linguagem, já que há apenas indícios de como o personagem se sentia em relação à morte. ERRADO.
    C) Empresta dimensões de síndromes terríveis à mais ligeira manifestação de azia ou acidez estomacal (5º parágrafo)
    Para o personagem, qualquer manifestação física de desconforto era uma fonte de angústia, mas o personagem é um ser animado. Logo, isso exclui a possibilidade da personificação em função do próprio conceito dessa figura de linguagem. ERRADO.
    D) O radiologista, seu amigo particular, já lhe proibiu a entrada no consultório: tirou-lhe radiografia até dos dedos do pé (11º parágrafo)
    “Até dos dedos do pé" pode ser considerada uma metonímia, já que estabelece um sentido de contiguidade com o todo, com o corpo do personagem. Uma parte do corpo representa o corpo inteiro. ERRADO.
    E) Para mim o médico que me operou esqueceu alguma coisa dentro de minha barriga (8º parágrafo) 
    As ações são atribuídas a seres animados (o médico operou, o médico esqueceu). O possível objeto inanimado dentro da barriga não desempenha nenhuma ação considerada humana. Logo, não há personificação nesse trecho do texto. ERRADO.
    Gabarito da Professora: Letra A.