SóProvas


ID
3825913
Banca
FAFIPA
Órgão
Câmara de Foz do Iguaçu - PR
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Como nasce uma história

Fernando Sabino

Quando cheguei ao edifício, tomei o elevador que serve do primeiro ao décimo quarto andar. Era pelo menos o que dizia a tabuleta no alto da porta.

— Sétimo — pedi.

Eu estava sendo aguardado no auditório, onde faria uma palestra. Eram as secretárias daquela companhia que celebravam o Dia da Secretária e que, desvanecedoramente para mim, haviam-me incluído entre as celebrações.

A porta se fechou e começamos a subir. Minha atenção se fixou num aviso que dizia:

É expressamente proibido os funcionários, no ato da subida, utilizarem os elevadores para descerem.


Desde o meu tempo de ginásio sei que se trata de problema complicado, este do infinitivo pessoal. Prevaleciam então duas regras mestras que deveriam ser rigorosamente obedecidas, quando se tratava do uso deste traiçoeiro tempo de verbo. O diabo é que as duas não se complementavam: ao contrário, em certos casos francamente se contradiziam. Uma afirmava que o sujeito, sendo o mesmo, impedia que o verbo se flexionasse. Da outra infelizmente já não me lembrava. Bastava a primeira para me assegurar de que, no caso, havia um clamoroso erro de concordância.

Mas não foi o emprego pouco castiço do infinito pessoal que me intrigou no tal aviso: foi estar ele concebido de maneira chocante aos delicados ouvidos de um escritor que se preza.

Ah, aquela cozinheira a que se refere García Márquez, que tinha redação própria! Quantas vezes clamei, como ele, por alguém que me pudesse valer nos momentos de aperto, qual seja o de redigir um telegrama de felicitações. Ou um simples aviso como este:

É expressamente proibido os funcionários…

Eu já começaria por tropeçar na regência, teria de consultar o dicionário de verbos e regimes: não seria aos funcionários? E nem chegaria a contestar a validade de uma proibição cujo aviso se localizava dentro do elevador e não do lado de fora: só seria lido pelos funcionários que já houvessem entrado e portanto incorrido na proibição de pretender descer quando o elevador estivesse subindo. Contestaria antes a maneira ambígua pela qual isto era expresso:

… no ato da subida, utilizarem os elevadores para descerem. 

Qualquer um, não sendo irremediavelmente burro, entenderia o que se pretende dizer neste aviso. Pois um tijolo de burrice me baixou na compreensão, fazendo com que eu ficasse revirando a frase na cabeça: descerem, no ato da subida? Que quer dizer isto? E buscava uma forma simples e correta de formular a proibição:

É proibido subir para depois descer.

É proibido subir no elevador com intenção de descer.

É proibido ficar no elevador com intenção de descer, quando ele estiver subindo.

Descer quando estiver subindo! Que coisa difícil, meu Deus. Quem quiser que experimente, para ver só. Tem de ser bem simples:

Se quiser descer, não tome o elevador que esteja subindo.

Mais simples ainda: 

Se quiser descer, só tome o elevador que estiver descendo.

De tanta simplicidade, atingi a síntese perfeita do que Nelson Rodrigues chamava de óbvio ululante, ou seja, a enunciação de algo que não quer dizer absolutamente nada: 

Se quiser descer, não suba.

Tinha de me reconhecer derrotado, o que era vergonhoso para um escritor. Foi quando me dei conta de que o elevador havia passado do sétimo andar, a que me destinava, já estávamos pelas alturas do décimo terceiro.


— Pedi o sétimo, o senhor não parou! — reclamei.

O ascensorista protestou:

— Fiquei parado um tempão, o senhor não desceu. Os outros passageiros riram:

— Ele parou sim. Você estava aí distraído.

— Falei três vezes, sétimo! sétimo! sétimo!, e o senhor nem se mexeu — reafirmou o ascensorista.

— Estava lendo isto aqui — respondi idiotamente, apontando o aviso. Ele abriu a porta do décimo quarto, os demais passageiros saíram.

passageiros saíram. — Convém o senhor sair também e descer noutro elevador. A não ser que queira ir até o último andar e na volta descer parando até o sétimo.

— Não é proibido descer no que está subindo? Ele riu:

— Então desce num que está descendo

— Este vai subir mais? — protestei: — Lá embaixo está escrito que este elevador vem só até o décimo quarto.

— Para subir. Para descer, sobe até o último.

— Para descer sobe?

Eu me sentia um completo mentecapto. Saltei ali mesmo, como ele sugeria. Seguindo seu conselho, pressionei o botão, passando a aguardar um elevador que estivesse descendo. Que tardou, e muito. Quando finalmente chegou, só reparei que era o mesmo pela cara do ascensorista, recebendo-me a rir:

— O senhor ainda está por aqui? E fomos descendo, com parada em andar por andar. Cheguei ao auditório com 15 minutos de atraso. Ao fim da palestra, as moças me fizeram perguntas, e uma delas quis saber como nascem as minhas histórias. Comecei a contar:

— Quando cheguei ao edifício, tomei o elevador que serve do primeiro ao décimo quarto andar. Era pelo menos o que dizia a tabuleta no alto da porta.

Texto extraído de: SABINO, Fernando. A Volta Por Cima. Editora Record: Rio de Janeiro, 1990, p. 137



Considere o seguinte período: "Qualquer um, não sendo irremediavelmente burro, entenderia o que se pretende dizer neste aviso." e responda, sobre o emprego de "se":

Alternativas
Comentários
  • CUIDADO 

    O gabarito está incorreto. A banca comete erro grosseiro.

    A estrutura sintática da construção é demasiada confusa, ainda que semanticamente não aparente. Devemos observar que o verbo "pretender", transitivo direto, ao qual se liga a partícula "se", não forma locução com o verbo "dizer", uma vez que são verbos que externam ações diferentes e independentes: quem pretende, pretende algo; quem diz, diz algo.

    O que dificulta sobremaneira o entendimento da questão é a construção da passagem, "...entenderia o que se pretende dizer neste aviso.", que pode ser reorganizada com base na transitividade dos verbos.

    O que é pretendido ? Dizer algo.

    Dizer o quê ? Aquilo - no texto indicado pelo pronome demonstrativo "o".

    Diferente do afirmado pela banca, e com base na transitividade dos verbos presentes na construção, não há nada que nos leve a encarar a partícula "se" como índice de indeterminação do sujeito. O Termo é partícula apassivadora.

    É possível deixar a relação mais clara com um exemplo mais palpável de construção: 

    "Qualquer um entenderia a matéria que se pretende ensinar neste comentário." - Ensinar a matéria neste comentário é pretendido. Temos uma partícula apassivadora.

    Gabarito da banca na alternativa D

    Gabarito correto na alternativa C 

  • Gabarito D

    Pretender é verbo de ligação

  • Thiago Rodrigues pretender não é VL, é VTD.

    pretende... o que?

    Concordo com Ivan Lucas. Analisei da mesma forma.

  • Colegas, acredito que "pretende dizer" seja uma locução verbal. Portanto, o "se", neste caso, seria um indeterminante mesmo

  • quem pretende...pretende algo,por isso vtd !

    gabarito "c"

  • Erro grosseiro!

  • Respondi C e fiquei preocupado, o grave nao ter anulado ou alterado o gabarito

  • pra quem ta falando que é letra C, qual foi a mágica que vcs fizeram para passar a frase para voz ativa?

    Este aviso é pretendido dizer por qualquer um ? Faz sentido isso ? não então não é voz passiva simples assim