SóProvas


ID
3896419
Banca
Marinha
Órgão
Comando do 1º Distrito Naval
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Sobre a Escrita...


        Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
    Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
    Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por uma extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.
    Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
    Simplesmente não há palavras.
    O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.
    Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranquilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
    Simplesmente as palavras do homem.


(Clarice Lispector)

Fonte: contobrasileiro.com.br/sobre-a-escrita-conto-declarice-lispector/

Sobre o fragmento “Eu jogo com elas [as palavras] como se lançam dados: acaso e fatalidade." (§2), é correto afirmar que:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito letra A. Os dois pontos servem para explicar/exemplificar algo que foi escrito antes.

    1. Os dois pontos ( : ) representam um sinal gráfico que faz parte dos sinais de pontuação.
    2. Na produção de textos, eles marcam uma breve pausa no discurso. Geralmente são utilizados antes de uma explicação ou esclarecimento, após vocativos, em sínteses ou resumos, citações, falas (discurso direto), enumerações, exemplos, dentre outros.
    3. Interessante observar que na matemática, os dois pontos correspondem ao sinal da divisão (44:2=22 - Lê-se: quarenta e quatro dividido por dois, igual a vinte e dois)

  • Os dois pontos (:) é utilizado para citar a fala de alguém, antes de orações apositivas, iniciar uma enumeração, nos discursos diretos, ao introduzir um esclarecimento/explicação ou ainda ao apresentar uma síntese do que se acabou de dizer. Corresponde a uma pausa breve da linguagem oral e a uma entoação descendente.

    Observem que os dois pontos (:) esclarece algo que foi dito anteriormente!

  • Sobre o fragmento “Eu jogo com elas [as palavras] como se lançam dados: acaso e fatalidade." (§2), é correto afirmar que:

    Alternativas

    A

    os dois pontos introduzem um esclarecimento sobre a frase anterior, detalhando como ocorre o processo de escrita para a autora.

    B

    evidencia a crença da autora de que foi ao acaso que se tornou escritora e que a escrita é como um jogo para ela.

    C

    revela que a autora utiliza-se de estratégias predefinidas para escrever.

    D

    os dois pontos introduzem a citação do discurso interior da autora.

    E

    compara a escrita com um jogo de azar, em que se pode ganhar ou perder ao se enfrentar as palavras.