SóProvas


ID
3956611
Banca
Itame
Órgão
Prefeitura de Edéia - GO
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o texto para responder à questão 

TABACARIA
Fernando Pessoa
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim. Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo não estão nesta hora génios-para-si-mesmo sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas –
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
[...]

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
[...]

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.
(Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Atica, 1944-252)


De acordo com o contexto, para os versos: “O mundo é para quem nasce para o conquistar” / “E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão”, a melhor interpretação é:

Alternativas
Comentários
  • ✅ Gabarito: A

    “O mundo é para quem nasce para o conquistar” / “E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão”.

    ➥ Podemos interpretar o trecho da seguinte forma: o eu poético subestima quem sonha como ele (não dá o devido valor ou apreço) e aprecia quem faz. Para ele, é melhor ter bons propósitos e praticá-los (as pessoas já nascem com isso).

    ➥ FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • A questão é de interpretação textual e quer que indiquemos por meio das alternativas o que a frase abaixo informa.

    “O mundo é para quem nasce para o conquistar” / “E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão”,

    a) O eu poético subestima quem sonha como ele e aprecia quem faz. Para ele, é melhor ter bons propósitos e praticá-los;

    Correta. Ao dizer que "o mundo é para quem nasce para conquistar" está apreciando quem faz e ao dizer: "não para quem sonha que pode conquistá-lo" está subestimando quem sonha. Portanto gabarito da questão.

    b) O eu poético sobrestima os sonhadores e valoriza os corajosos. Para ele, é essencial ter inspiração e boas práticas;

    Incorreta. O eu poético não sobrestima (gostar, adorar, ter apreço) aqueles que sonham, muito pelo contrário ele subestimava-os.

    c) O eu lírico reverencia quem sonha como ele e deprecia quem realiza. Para ele, é importante planejar as ações;

    Incorreta. O eu lírico não reverencia quem sonha é o contrário disso, ele reverencia quem faz.

    d) O eu lírico preza os sonhadores e supervaloriza os sonhos e as conquistas intrêmulas dos indivíduos que têm razão.

    Incorreta. O eu lírico despreza os sonhadores e não preza.

    GABARITO A

  • CUIDADO!!!

    Não seja afobado!

    Esse tipo de questão é daquelas que nos vence pelo cansaço ao fazer uma leitura apressada.

    Subestimar = não dar o devido valor ou apreço

    Sobrestimar = ter um apreço exagerado.