SóProvas


ID
4063984
Banca
FUNCAB
Órgão
Prefeitura de Boa Vista - RR
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder à questão.


Uma vela para Dario


        Dario vinha apressado, o guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminui o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Foi escorregando por ela, de costas, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva e descansou na pedra o cachimbo.

        Dois ou três passantes rodearam-no, indagando se ele não está se sentindo bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, mas não se ouviu resposta. Um senhor gordo, de branco, sugeriu que ele devia sofrer de ataque.

         Estendeu-se mais um pouco, deitado agora na calçada, e o cachimbo a seu lado tinha apagado. Um rapaz de bigode pediu ao grupo que se afastasse, deixando-o respirar. E abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario roncou pela garganta e um fio de espuma saiu no canto da boca.

        Cada pessoa que chegava se punha na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram acordadas e vieram de pijama às janelas. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao lado dele. Uma velhinha de cabeça grisalha gritou que Dario estava morrendo. Um grupo transportou-o na direção do táxi estacionado na esquina. Já tinham introduzido no carro a metade do corpo, quando o motorista protestou: se ele morresse na viagem? A turba concordou em chamar a ambulância. Dario foi conduzido de volta e encostado à parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

         Alguém afirmou que na outra rua havia uma farmácia. Carregaram Dario até a esquina; a farmácia era no fim do quarteirão e, além do mais, ele estava muito pesado. Foi largado ali na porta de uma peixaria. Imediatamente um enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse o menor gesto para espantá-las.

         As mesas de um café próximo foram ocupadas pelas pessoas que tinham vindo apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delícias da noite. Dario ficara torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.

        Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os documentos. Vários objetos foram retirados de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do seu nome, idade, cor dos olhos, sinais de nascença, mas o endereço na carteira era de outra cidade. 

        Registrou-se tumulto na multidão de mais de duzentos curiosos que, a essa hora ocupava toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu contra o povo e várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.

        O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo – os bolsos vazios. Restava apenas a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio – quando vivo – não podia retirar do dedo senão umedecendo-o com o sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.

         A última boca repetiu – “Ele morreu, ele morreu”, e então a gente começou a se dispersar. Dario havia levado quase duas horas para morrer e ninguém acreditara que estivesse no fim. Agora, os que podiam olhá-lo, viam que tinha todo o ar de um defunto.

         Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não lhe pôde fechar os olhos ou a boca, onde as bolhas de espuma haviam desaparecido. Era apenas um homem morto e a multidão se espalhou rapidamente, as mesas do café voltaram a ficar vazias. Demoravam-se nas janelas alguns moradores, que haviam trazido almofadas para descansar os cotovelos.

         Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

         Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario esperando o rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade, apagando-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes . Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1964, p.33-35.

“Dario havia levado quase duas horas para morrer e ninguém acreditara que estivesse no fim.” A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.


I. A forma verbal HAVIA LEVADO está no pretérito mais-que-perfeito.

II. NINGUÉM é um pronome adjetivo indefinido.

III. Há um verbo no imperfeito do subjuntivo.


Está correto apenas o que se afirma em:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: A

    I -  A forma verbal HAVIA LEVADO está no pretérito mais-que-perfeito. CORRETO: pretérito-mais-que-perfeito composto é formado por ter/haver no pretérito imperfeito + particípio

    II - NINGUÉM é um pronome adjetivo indefinido. ERRADO: é um pronome substantivo indefinido.

    III - Há um verbo no imperfeito do subjuntivo. CORRETO: "estivesse" está no imperfeito do subjuntivo

  • Pronome substantivo indefinido: alguém, ninguém, outrem, algo, nada e tudo.

    Pronome adjetivo indefinido: pronome acompanha um substantivo dando-lhe qualidade:

    EX.: Muitos (pron.adjetivo) candidatos (subs.) foram eleitos, mas poucos (pron. substantivo) assumiram o mandato.

  • A questão quer que analisemos as alternativas abaixo em relação ao trecho "Dario havia levado quase duas horas para morrer e ninguém acreditara que estivesse no fim.". Vejamos:

     . 

    I. A forma verbal HAVIA LEVADO está no pretérito mais-que-perfeito.

    Certo. O pretérito mais que perfeito do indicativo expressa um fato ocorrido antes de outro fato já terminado. Ex.: Ele já resolvera as questões quando os amigos chegaram. Ele é constituído pelo pretérito imperfeito do indicativo do verbo "ter/haver" mais o particípio do verbo principal.

     . 

    II. NINGUÉM é um pronome adjetivo indefinido.

    Errado. "Ninguém" é um pronome substantivo indefinido.

    O pronome substantivo substitui o nome. Ex.: Eu tenho estudado bastante.

    O pronome adjetivo acompanha o nome. Ex.: Minha mãe é muito carinhosa.

    Pronomes indefinidos: referem-se à terceira pessoa do discurso, dando-lhe sentido vago ou expressando quantidade indeterminada. Alguns deles: algum, nenhum, todo, outro, muito, pouco, certo, vários, tanto, quanto, qualquer, tudo, nada, ninguém...

     . 

    III. Há um verbo no imperfeito do subjuntivo.

    Certo. "Estivesse" (se ele estivesse) é a 3ª pessoa do singular do pretérito imperfeito do subjuntivo, que expressa desejos, probabilidades e acontecimentos que são determinados por outros.

     . 

    Gabarito: Letra A

  • Eu tô naquele momento da vida de estudante que você sabe o que tá certo e o que tá errado, mas não tem a mínima ideia do por quê.