SóProvas


ID
4063990
Banca
FUNCAB
Órgão
Prefeitura de Boa Vista - RR
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder à questão.


Uma vela para Dario


        Dario vinha apressado, o guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminui o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Foi escorregando por ela, de costas, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva e descansou na pedra o cachimbo.

        Dois ou três passantes rodearam-no, indagando se ele não está se sentindo bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, mas não se ouviu resposta. Um senhor gordo, de branco, sugeriu que ele devia sofrer de ataque.

         Estendeu-se mais um pouco, deitado agora na calçada, e o cachimbo a seu lado tinha apagado. Um rapaz de bigode pediu ao grupo que se afastasse, deixando-o respirar. E abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario roncou pela garganta e um fio de espuma saiu no canto da boca.

        Cada pessoa que chegava se punha na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram acordadas e vieram de pijama às janelas. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao lado dele. Uma velhinha de cabeça grisalha gritou que Dario estava morrendo. Um grupo transportou-o na direção do táxi estacionado na esquina. Já tinham introduzido no carro a metade do corpo, quando o motorista protestou: se ele morresse na viagem? A turba concordou em chamar a ambulância. Dario foi conduzido de volta e encostado à parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

         Alguém afirmou que na outra rua havia uma farmácia. Carregaram Dario até a esquina; a farmácia era no fim do quarteirão e, além do mais, ele estava muito pesado. Foi largado ali na porta de uma peixaria. Imediatamente um enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse o menor gesto para espantá-las.

         As mesas de um café próximo foram ocupadas pelas pessoas que tinham vindo apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delícias da noite. Dario ficara torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.

        Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os documentos. Vários objetos foram retirados de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do seu nome, idade, cor dos olhos, sinais de nascença, mas o endereço na carteira era de outra cidade. 

        Registrou-se tumulto na multidão de mais de duzentos curiosos que, a essa hora ocupava toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu contra o povo e várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.

        O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo – os bolsos vazios. Restava apenas a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio – quando vivo – não podia retirar do dedo senão umedecendo-o com o sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.

         A última boca repetiu – “Ele morreu, ele morreu”, e então a gente começou a se dispersar. Dario havia levado quase duas horas para morrer e ninguém acreditara que estivesse no fim. Agora, os que podiam olhá-lo, viam que tinha todo o ar de um defunto.

         Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não lhe pôde fechar os olhos ou a boca, onde as bolhas de espuma haviam desaparecido. Era apenas um homem morto e a multidão se espalhou rapidamente, as mesas do café voltaram a ficar vazias. Demoravam-se nas janelas alguns moradores, que haviam trazido almofadas para descansar os cotovelos.

         Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

         Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario esperando o rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade, apagando-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes . Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1964, p.33-35.

A oração destacada em “Um rapaz de bigode pediu ao grupo QUE SE AFASTASSE” é subordinada:

Alternativas
Comentários
  • Alternativa correta letra "D".

    O verbo pedir é transitivo direto e indireto.

    Pediu a quem? ao grupo: objeto indireto; o que? que se afastasse: objeto direto.

    "que se afastasse". o que introduz uma oração subordinada substantiva: pediu ao grupo "isso".

  •  “Um rapaz de bigode pediu ao grupo QUE SE AFASTASSE

    Quem pede, pede algo a alguém.

  • D pediu o q?
  • Sobre as orações subordinadas, importa mencionar seus três tipos:

    → Adjetiva, que pode ser restritiva (sem vírgula) e explicativa (com vírgula) e exerce função sintática dos adjetivos, ou seja, adjunto adnominal;

    → Adverbial, que exerce papéis circunstanciais típicos do advérbio e exerce função sintática de adjunto adverbial;

    Substantiva, que exerce funções próprias do substantivo (aposto, complemento nominal, predicativo, objeto direto, objeto indireto, sujeito).

    a) adverbial causal.

    Incorreto. Esse tipo de oração exprime a causa de um fato. Ex.: "Maximiano temera que o coronel o agredisse, de tão violento que ficara." (Jorge Amado)

    b) adjetiva restritiva

    Incorreto. As mais das vezes, essas orações são introduzidas por pronomes relativos (cujo, quem, que, etc.). Ex.: "Existem coisas cujo alcance nos escapa." (Inácio de Loyola Brandão)

    c) substantiva objetiva indireta

    Incorreto. Esse tipo de oração funciona como objeto indireto. Ex.: "Alguém me convencera de que eu devia jejuar." (Graciliano Ramos);

    d) substantiva objetiva direta.

    Correto. Esse tipo de oração funciona como objeto direto. Ex.: O freguês perguntou quanto custava aquele relógio.

    e) substantiva completiva nominal.

    Incorreto. Esse tipo de oração funciona como complemento nominal (refere-se a advérbio, adjetivo ou substantivo). Ex.: "Mariana teve a sensação de que alguém a observava." (Ana Miranda)

    Letra D

  • Oração Subordinada Substantiva Subjetiva.

    Oração subordinada substantiva subjetiva: funciona como sujeito do verbo da oração principal.

    Esqueminha:

    1) Verbo de ligação + predicativo + QUE

    Ex. 1) É preciso que você estude muito. (= É preciso ISSO / ISSO é preciso)

    2) Verbo na voz passiva sintética ou analítica + QUE ou SE

    Ex. 2) Esperava-se que os jogadores ganhassem a competição. (= Esperava-se ISSO / ISSO era esperado)

    3) Verbos unipessoais + QUE

    Ex. 3) Convém que sejamos mais cautelosos. (= Convém ISSO)